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ESCOLA DO TERROR

Dona de berçário esfregava fezes e obrigava crianças comerem areia em MT

Bebê de um ano foi amarrado em toco até adormecer


O casal proprietário de um berçário e hotel infantil em Sorriso foi indiciado pela Polícia Civil pelos crimes de tortura e castigo, ameaça, maus-tratos e omissão perante a tortura. O inquérito policial foi concluído e encaminhado nesta segunda-feira (24.04) ao Poder Judiciário. Ambos seguem presos preventivamente.

A investigação apurou denúncias de maus-tratos, tortura mediante castigo e omissão cometidos pelo casal contra oito crianças de zero a cinco anos, faixa etária atendida pelo berçário e hotel infantil. De acordo com a delegada Jéssica Assis, do Núcleo de Atendimento à Mulher, Criança e Idoso da Delegacia de Sorriso, os elementos probatórios coletados ao longo da investigação apontam que o casal torturava as crianças de maneira explícita, convicto da impunidade de cometer os atos ilícitos há anos, sem que nenhuma ação fosse tomada.

"Estavam convictos nas manipulações que faziam com os pais das vítimas e seguros de que não seriam descobertos porque a maior parte das crianças sequer conseguia falar, já que eram bebês", pontua a delegada. No decorrer do inquérito, a Polícia Civil ouviu nove ex-funcionárias do estabelecimento, que corroboraram as denúncias feitas pelos pais das vítimas e relataram ainda as ameaças feitas pelos donos do berçário.

"Os depoimentos são consistentes e confirmam diversas informações que levam à conclusão de que as violações ocorridas no local eram sistêmicas, contínuas e extremamente graves, a ponto de ter colocado em risco a vida de inúmeras crianças, há, no mínimo, quase quatro anos", explica a delegada. O estabelecimento atendia crianças entre zero e cinco anos de idade, no centro da cidade de Sorriso, e cobrava valores de até R$948,00 por criança.

Entre as agressões narradas pelas testemunhas há relatos de tapas nas nádegas e na boca, mordidas, puxões, golpes com raquetes, empurrões e beliscões contra as vítimas. A alegação era de os atos serviam para disciplinar as crianças. Mas, as agressões eram imputadas a outras crianças, pela proprietária da creche, quando questionada pelos pais.

Além disso, testemunhas e uma das vítimas relataram a existência de um "cantinho do pensamento", que consistia em um corredor escuro, que dava acesso ao quarto da proprietária, onde ela trancava as crianças que se comportavam mal e as deixava sozinhas, por até duas horas. O casal está preso em unidades prisionais da região Norte do estado.

EPISÓDIOS

Dois episódios relatados no inquérito chamaram a atenção da Polícia Civil durante a investigação, cometidos contra duas crianças que ficavam no berçário. Em um deles, a proprietária do local teria esfregado a calcinha e fralda sujas de fezes no rosto das vítimas, a fim de puni-las por defecarem e doutriná-las conforme seu método.

Outro relato aponta que uma criança autista foi obrigada pela dona do berçário a comer areia, quando ela forçou um punhado de areia na boca da menor. Outros relatos apontaram sufocamentos, mordidas, tapas e puxões de orelha conforme narraram as cuidadoras ouvidas na delegacia.

Foram diversas sessões de tortura contra um bebê de um ano de idade, que era amarrado pela dona do berçário a um toco, com um cinto, e deixado debaixo do sol por horas, até chorar e adormecer sentado. Em outra situação narrada à Polícia Civil, uma criança do sexo feminino, de quase dois anos de idade, sofreu violência quando foi imobilizada para que parasse de chorar.

A investigada colocou o joelho no peito da criança como tentativa de fazê-la parar de chorar, na presença de várias crianças da creche. Um depoente ouvida na delegacia relatou que em uma das situações, a dona do berçário jogou água com uma mangueira no rosto de um bebê.

Vários relatos apontam o uso de mangueira contra as crianças, em situações e períodos distintos. Uma testemunha disse que havia severas restrições ao uso do aparelho celular no local e que nunca contou os fatos a ninguém porque achava que não acreditariam nela sem filmagens ou fotos.

Uma testemunha que trabalhou como ajudante nos cuidados com as crianças contou que bebês de seis a nove meses eram deixados sozinhos no berço, com mamadeiras na boca, e as cuidadoras eram proibidas de pegá-los no colo para alimentar. As crianças eram chamadas de "porcos, nojentos, sebosos, mortos de fome".

A dona do local tirava comida da panela e não esfriava para as crianças e bebês passavam o dia todo sem trocar de fralda. Já o dono da creche foi relatado que ele puxava as crianças pelas orelhas e as colocava de castigo, sentadas em um canto.

Uma testemunha foi intimidada pela investigada que disse se a denunciasse, saberia que foi ela. A testemunha pediu demissão por não aguentar presenciar o sofrimento das crianças.

Seis crianças que passaram por situações de tortura na creche e berçário foram ouvidos em procedimento de escuta especializada, conforme prevê protocolo estabelecido na Lei 13.431/2017. A escuta é feita por profissional especializado e é aplicada em casos de crianças vítimas e testemunhas de violência.

Quatro delas relataram espontaneamente episódios de violência que presenciaram na creche. Há um vídeo, fornecido por uma mãe, de uma criança que foi ao local uma única vez, para uma festa, e presenciou as crianças sendo agredidas com tapas e chineladas.

A delegada Jéssica Assis também ouviu 17 pais e responsáveis legais por crianças que foram atendidas na creche. Os relatos apresentados junto aos de testemunhas e as escutas especializadas efetuadas, permitiram à Polícia Civil reunir elementos que comprovaram os crimes de torturas e maus-tratos contra oito crianças.

A Polícia Civil aponta ainda no inquérito que o casal procurou mães que denunciaram as agressões na tentativa de manipular, dissuadir e intimidar. Diversas testemunhas relataram ameaças pelo marido da dona da creche. "As investigações devem continuar, inclusive, porque diversas mães entraram em contato com a delegacia manifestando interesse em serem ouvidas", explicou a delegada, acrescentando que a maioria das pessoas foram ouvidas após a prisão do casal, o que se mostrou necessário diante da intimidação feita pelos investigados.

O familiar de uma criança relata depois que o menor ficou com ferimentos depois de um episódio em que teve a boca cheia de areia pela dona da creche. A testemunha contou ainda que a criança ficou com trauma, pois quando passam em frente à creche, o menino grita: "Não, não, não" e se joga para baixo do banco do carro. Em certa ocasião, quando a criança ainda frequentava o berçário, o menor chorou copiosamente ao chegar ao local.

A mãe da criança foi ouvida e afirmou que o filho já voltou com a boca cortada da creche e houve mudanças de comportamento no filho, como retração, dificuldade na fala e colocar os mãos no rosto quando alguém se aproximava dele, fechando os olhos, como se estivesse prestes a ser agredido. A mãe da criança conta que foi procurada pela dona da creche quando disse que ir retirar a criança do lugar e foi indagada se sabia de denúncias sobre maus-tratos no estabelecimento.

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