A ‘máfia das creches’, acusada de desviar dinheiro destinado ao ensino infantil na Prefeitura de São Paulo (SP), foi alvo de uma longa investigação da Polícia Federal (PF), que resultou no indiciamento de 111 suspeitos nesta semana.
A ‘máfia das creches’, acusada de desviar dinheiro destinado ao ensino infantil na Prefeitura de São Paulo (SP), foi alvo de uma longa investigação da Polícia Federal (PF), que resultou no indiciamento de 111 suspeitos nesta semana.
Entre 2016 e 2020, o esquema movimentou R$ 1,5 bilhão através de uma complexa rede de organizações sociais, escritórios de contabilidade e fornecedores de materiais e serviços.
A investigação da Polícia Federal, iniciada em 2019 com base em indícios de fraude e sonegação no recolhimento de guias previdenciárias por entidades que administram creches terceirizadas da prefeitura, revelou que 36 organizações sociais participaram do esquema.
Esses grupos inflacionavam contratos e emitiam notas fiscais frias para desviar dinheiro da educação municipal.
As organizações envolvidas, entidades sem fins lucrativos, eram contratadas sem licitação pela Secretaria Municipal da Educação.
Na última terça, a PF concluiu que houve desvio de dinheiro público e, além de indiciar mais de 100 pessoas, manteve uma investigação aberta para apurar o possível envolvimento do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
A Polícia Federal destacou que uma das principais empresas do esquema, responsável por emitir notas frias, repassou R$ 1,3 milhão à Associação Amiga da Criança e do Adolescente (Acria), dirigida por uma funcionária da empresa da família de Nunes, além de transferir R$ 20 mil à Nikkey Serviços, registrada em nome da mulher e da filha do prefeito, e mais R$ 11,6 mil a Nunes, por meio de dois cheques. Nunes nega que os pagamentos tenham sido ilegais.
Ricardo Nunes, que fez da ampliação do número de vagas nas creches uma de suas bandeiras, zerou a fila da creche na atual gestão através de contratos com organizações sociais.
As 36 entidades identificadas pela Polícia Federal administravam 152 creches, principalmente nas zonas sul e leste.
Essas entidades utilizavam um grupo de cinco escritórios de contabilidade acusados de fraudar as prestações de contas, que, segundo a PF, manipularam as contas de 112 creches.
A maior parte dos desvios de recursos ocorreu pela simulação de compras de bens de consumo para as creches, que na realidade não eram entregues.
Além dos escritórios de contabilidade, o esquema utilizava oito empresas especializadas na emissão de notas fiscais frias, que simulavam a venda de merenda, material de papelaria e produtos de limpeza, devolvendo parte do dinheiro às entidades por meio de transferências ou simulação de outros serviços.
A análise da quebra de sigilo bancário dessas empresas revelou que o total de vendas era nove vezes superior ao valor das compras, conforme o relatório final da PF. Agora, o caso está nas mãos do Ministério Público Federal (MPF).
Uma das empresas envolvidas, a TAG Distribuidora Delivery, localizada na zona leste e já extinta, apresentava um faturamento de R$ 15,9 milhões entre 2016 e 2020, enquanto suas compras somavam apenas R$ 32 mil. A TAG atendia a 68 creches, a maioria na zona leste. Esse mesmo padrão foi encontrado nas outras sete empresas envolvidas.
Utilizando o Sistema de Identificação de Movimentação Bancária (Simba), a PF descobriu que um dos grupos de empresas movimentou R$ 1,04 bilhão entre janeiro de 2016 e fevereiro de 2020, enquanto outro grupo movimentou R$ 466 milhões.
Outra característica do esquema era a troca de postos entre as 111 pessoas relacionadas, com funcionários de creches sendo também sócios de empresas emissoras de notas frias e tendo parentes em escritórios de contabilidade.
Um dos indiciados, que é sócio do escritório Eco Assessoria Empresarial, prestava serviços para 100 creches e era presidente da entidade Abracci, além de sócio de três empresas de notas frias.
Vários parentes seus trabalhavam em associações comprometidas com fraudes nas prestações de contas.
A investigação também apontou o prefeito Ricardo Nunes como participante do esquema. A entidade Acria, presidida por E. T., funcionária da Nikkey Serviços, empresa em nome da mulher e da filha do prefeito, adquiriu R$ 2,5 milhões de uma empresa de notas frias, devolvendo R$ 1,3 milhão à Acria, R$ 20 mil à Nikkey e R$ 11,6 mil ao prefeito. Nunes nega qualquer ilegalidade nos pagamentos.
A empresa de F. J. O. B., a maior emissora de notas frias do esquema, realizou vendas de R$ 41,2 milhões, mas registrou compras de apenas R$ 4,7 milhões em produtos.
A assessoria de Ricardo Nunes afirmou que o inquérito da PF, iniciado em 2019, foi concluído a dois meses da eleição e que o prefeito não foi indiciado.
A Prefeitura de São Paulo informou que a Controladoria Geral do Município forneceu documentos que deram início à investigação, e que desde 2019 descredenciou 131 organizações sociais envolvidas em irregularidades, responsáveis por 353 CEIs.
A Secretaria Municipal de Educação ampliou o controle interno e a fiscalização às mantenedoras de creches.