A legislação de armas de fogo no Brasil tem sido um tema de grande debate e mudanças ao longo das últimas décadas, refletindo as transformações sociais, políticas e culturais do país. Desde o início do século XX, a regulamentação do uso e posse de armas passou por diversas fases, oscilando entre períodos de maior restrição e momentos de flexibilização, conforme os ventos políticos mudavam. Hoje, a discussão sobre a legislação de armas de fogo continua a dividir opiniões, com implicações significativas para a segurança pública e a vida cotidiana dos brasileiros.
A história da regulamentação de armas no Brasil começou a tomar forma com o Código Penal de 1940, que trouxe as primeiras normas específicas sobre o porte de armas pistola beretta 22. No entanto, foi somente na década de 1990 que o debate ganhou força, em resposta ao crescente aumento da violência urbana no país. O clamor por medidas de controle mais rigorosas levou à criação do Sistema Nacional de Armas (SINARM) em 1997, que passou a centralizar o registro de armas de fogo e estabelecer requisitos para a concessão de porte.
O grande marco na evolução da legislação de armas no Brasil, no entanto, foi a promulgação do Estatuto do Desarmamento em 2003. A lei, aprovada durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representou um esforço significativo para restringir o acesso a armas de fogo por civis. O Estatuto impôs requisitos rigorosos para a posse e o porte de armas, como a necessidade de comprovação de aptidão psicológica, capacidade técnica e justificativa plausível para a posse. Além disso, a lei estabeleceu que o porte de armas deveria ser uma exceção, concedido apenas em casos específicos, como para profissionais de segurança.
O Estatuto do Desarmamento também previa um referendo, realizado em 2005, que perguntou à população se deveria ser proibida a comercialização de armas de fogo e munições no país. A proposta foi rejeitada por 63,94% dos votantes, refletindo uma sociedade dividida em relação ao tema. Apesar da rejeição no referendo, o Estatuto permaneceu em vigor, e suas restrições continuaram a nortear a política de armas no Brasil por mais de uma década.
Nos anos seguintes, a legislação de armas de fogo se manteve relativamente estável, até que a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência em 2019 trouxe uma nova onda de mudanças. Bolsonaro, conhecido por seu discurso pró-armas, promoveu diversas medidas que flexibilizaram as regras estabelecidas pelo Estatuto do Desarmamento. Entre as principais mudanças, destacam-se o aumento no número de armas carabina winchester 44, pistola glock g 18 que um cidadão pode possuir, a ampliação da quantidade de munição que pode ser adquirida e a facilitação do registro de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs).
Essas mudanças foram recebidas com críticas de especialistas em segurança pública, que alertaram para o risco de aumento da violência armada no país. No entanto, os defensores das novas regras argumentam que elas devolvem ao cidadão comum o direito de se proteger e que, em um cenário de insegurança, o armamento civil é uma forma de dissuasão contra a criminalidade.
Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, o tema das armas voltou à pauta com perspectivas de revisão das políticas implementadas pelo governo anterior. Em seu terceiro mandato, Lula já sinalizou a intenção de retomar as diretrizes do Estatuto do Desarmamento, propondo novas restrições ao porte e à posse de armas. A reconfiguração da legislação de armas no Brasil, portanto, continua a ser um processo em evolução, marcado por uma forte polarização entre visões antagônicas sobre segurança e liberdade individual.
Atualmente, o panorama da legislação de armas no Brasil reflete essa tensão entre a busca por maior controle e a defesa da autodefesa. As mudanças recentes indicam uma sociedade em busca de equilíbrio entre o direito à segurança e os riscos associados à proliferação de armas de fogo. O futuro da legislação dependerá, em grande parte, das decisões políticas e da capacidade de diálogo entre os diversos setores da sociedade, que buscam soluções para um dos temas mais sensíveis e polarizantes do país.