Todos nós ficamos perplexos com as atitudes tomadas por Roberto Jefferson nos últimos dias. As críticas grosseiras feitas à ministra Cármen Lúcia, comparando-a a “prostitutas”, “arrombadas” e “vagabundas”, fizeram com que até os maiores admiradores do ex-deputado repudiassem suas palavras. Não há dúvida de que o voto da ministra foi estranho, muito estranho. Na quinta-feira, 20, ao participar da votação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para proibir a exibição do documentário produzido pela Brasil Paralelo (“Quem mandou matar Jair Bolsonaro?”), iniciou dizendo: “Não se pode permitir a volta da censura sob qualquer argumento no Brasil”. Para depois complementar, acompanhando o voto do relator, que propunha a proibição por tempo determinado: “Medidas como esta, mesmo em fase de liminar, precisam ser tomadas como algo que pode ser um veneno ou um remédio. Vejo isso como uma situação excepcionalíssima. Se, de alguma forma, isto se comprovar como desbordando para uma censura, deve ser imediatamente reformulada esta decisão”. Ou seja. Sou contra, “pero no mucho”. Independentemente de ela estar certa ou equivocada, nada impediria que sua decisão pudesse ser criticada. Não, entretanto, pela forma descortês e inadequada como Jefferson se referiu a ela.
No domingo, 23, o que já era ruim ficou ainda pior. O ex-presidente do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) desrespeitou uma ordem de prisão determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Jefferson recebeu os policiais federais em sua residência com tiros de fuzil e granadas. Essas verdadeiras cenas de faroeste foram noticiadas à exaustão por toda a imprensa brasileira e até do exterior. Ninguém poderia imaginar esse acontecimento. Somente depois de muitas horas de negociação, com a presença do padre Kelmon, que conseguiu convencê-lo a entregar as armas, é que ele se rendeu. A oposição imediatamente tentou por todos os meios ligar o ex-deputado a Bolsonaro. Lula encabeçou as críticas de maneira contundente: “Roberto Jefferson é praticamente a fotografia e o resultado do que acontece no governo Bolsonaro. Ele é o resultado de tudo o que é plantado nesse país, é o resultado de um momento de muitas mentiras no Brasil”.
Bolsonaro, por sua vez, se apressou em se defender: “Repudio as falas do sr. Roberto Jefferson contra a ministra Cármen Lúcia e sua ação armada contra agentes da Polícia Federal“. Para mais tarde afirmar: “Nós não somos amigos, não temos relacionamento. E tratamento para pessoas que são corruptas ou agem dessa maneira como Roberto Jefferson agiu, xingando uma mulher e também recebendo à bala policiais, o tratamento dispensado pelo governo Jair Bolsonaro será de bandido”. Como o presidente havia afirmado que não existia nenhuma foto dele com Jefferson, a oposição se apressou em buscar alguma evidência de que ele estava mentindo. Encontraram uma da época em que Bolsonaro ainda era deputado. O suficiente para iniciar a pancadaria.
Há que se considerar, todavia, um fato que se tornou evidente: Roberto Jefferson e Bolsonaro estão rompidos há muito tempo. Basta lembrar que, há exatamente um ano, ainda quando estava preso, o homem que denunciou a existência do Mensalão divulgou uma carta demonstrando seu descontentamento com o chefe do Executivo e dando a entender que estavam em lados opostos: “O povo saiu às ruas para dizer, eu autorizo. Não havia volta, não havia transigência com as velhas práticas. Mas, por algum motivo, Bolsonaro fraquejou”. Na sequência, para enfraquecer ainda mais a situação do presidente, conclamou o partido a lançar candidato próprio à Presidência. Se não bastasse, enfiou ainda mais fundo o punhal, sugeriu que o candidato fosse o vice-presidente Hamilton Mourão. E não foi só. Disse: “Bolsonaro se cercou de viciados, como Ciro Nogueira e Valdemar da Costa Neto, e se tornou um deles — quem anda com lobo, vira lobo, lobo é. Vide Flávio”. Como vemos, nem o filho do Capitão escapou de sua metralhadora verbal.
Ninguém sabe o que aconteceu para que ele se tornasse um desafeto de Bolsonaro. Talvez tivesse se sentido abandonado na prisão. Quem sabe tenha julgado que os “aliados” tenham sido ingratos. Poderia ter pensado também que houve algum tipo de desconsideração aos seus pleitos, que, a bem da verdade, só existem em suposições, pois nunca nada foi mencionado. Ou estaria abalado emocionalmente por causa das cirurgias e do tempo de confinamento? Por um ou outro motivo, esse Roberto Jefferson, que protagonizou as lamentáveis cenas no último domingo, não é nem sombra daquele que um dia elogiou a retidão de Bolsonaro. Assim, por mais que a oposição tente, ficará difícil afirmar, sem invalidar os fatos, que o presidente tenha algum tipo de ligação direta ou indireta com o ex-presidente do PTB. No fundo, ao declarar seu rompimento com o presidente, Jefferson, como ótimo advogado que sempre foi, estava, sem perceber, preparando, com bastante antecedência, uma das mais importantes defesas ao chefe do Executivo. Isto é, defendeu Bolsonaro na causa em que ele próprio seria o algoz. Siga pelo Instagram: @polito.