Ainda assim, terá dificuldades para aprovar medidas superando o veto do presidente, o que requer uma maioria de dois terços. Os próximos dois anos podem significar um país comandado por um governo dividido, com impasses raivosos, disputas financeiras e investigações partidárias.
Na Câmara, todos os 435 assentos estão em disputa, onde os deputados cumprem mandatos de dois anos. Atualmente, os democratas controlam a Câmara por uma pequena margem, mas os republicanos precisam ganhar apenas cinco cadeiras para obter a maioria.
No Senado há 100 assentos, e 35 estão na corrida eleitoral. Os senadores têm mandatos de seis anos, e a casa, que possui 50 assentos para cada legenda, hoje é de maioria democrata, já que a vice-presidente Kamala Harris tem o voto de desempate. Porém, os republicanos só precisam de um único assento para assumir o controle.
Existem ainda outras corridas eleitorais acontecendo, incluindo 36 disputas pelos governos dos estados, além de cargos mais baixos. As eleições para Secretários de Estado ganharam uma importância maior neste ano, uma vez que esses cargos controlam as eleições estaduais — incluindo a corrida presidencial de 2024.
Há também votações para legislaturas estaduais e iniciativas eleitorais sobre questões como o acesso ao aborto, mudanças nos sistemas de votação, medidas de controle de armas e a legalização da maconha para fins recreativos.
Todo ano os candidatos dizem a mesma coisa aos eleitores: que esta é a eleição mais importante de suas vidas. Desta vez, eles podem estar certos.
Uma onda republicana pode eleger dezenas de candidatos que rezam a cartilha do ex-presidente Donald Trump, com falsas alegações de que a eleição de 2020 foi roubada.
O ex-presidente provavelmente usará uma Câmara controlada pelos republicanos como arma contra Biden antes da corrida presidencial de 2024; o deputado Kevin McCarthy — que provavelmente será o líder da maioria se os republicanos ganharem — não descartou o impeachment de Biden, apesar da ausência de qualquer evidência de que ele tenha cometido uma ofensa passível de impedimento.
Uma vitória democrata pode fazer com que Biden desenvolva sua legislação social, de saúde e de mudanças climáticas, além de equilibrar o judiciário com juízes liberais, após quatro anos de indicações conservadoras de Trump.
O clichê “É a economia, estúpido”, que data da campanha presidencial de Bill Clinton em 1992, está por todo lugar nesta temporada eleitoral. Só que deveria ser: “É inflação, estúpido”. O custo de vida nos EUA está em sua maior alta em 40 anos, deixando os eleitores muito insatisfeitos.
Os altos preços da gasolina também não ajudam, e a normalidade pós-pandemia que Biden prometeu permanece algo evasivo.
O presidente tem tido dificuldades em apresentar os desafios econômicos com uma mensagem política forte e em passar confiança aos eleitores de que os preços vão cair em breve.
Alguns democratas agora se perguntam se seus candidatos acabaram ignorando as preocupações mais agudas dos eleitores porque passaram muito tempo argumentando que os republicanos iriam destruir a democracia dos EUA.
Os democratas esperavam que o fato da Suprema Corte americana ter anulado a decisão judicial que permitia o amplo acesso ao aborto no país causasse uma reação contrária ao partido Republicano. Isso pode até acontecer em algumas áreas — mas a economia tem sido a preocupação dominante entre eleitores, como mostram as pesquisas antes do dia das eleições.
Os republicanos não tiveram que fazer muita coisa — já que sua estratégia foi colocar a culpa de tudo em Biden — ainda que a inflação seja mais influenciada por fatores externos, como a pandemia e a guerra na Ucrânia. Além disso, eles classificaram as posições democratas sobre educação, criminalidade e imigração como de extrema esquerda.
Indicadores da Câmara: a melhor maneira de acompanhar os resultados é escolher algumas corridas cruciais que darão uma noção de para onde a eleição está caminhando. Se os republicanos começarem a ganhar muito em áreas e distritos suburbanos da Câmara — onde Biden tinha muito mais popularidade que Trump em 2020 — é seguro dizer que eles estão a caminho do sucesso.
Considerando a estreita margem na Câmara, os republicanos podem obter a maioria se ganharem os assentos de um estado bastante disputado, como Nova York, por exemplo. Uma batalha fatídica é a de uma nova cadeira criada após uma reconfiguração pós-censo: a do 8º Distrito do Colorado. Se os republicanos ganharem, estarão numa maré de sorte.
Outra corrida apertada é a do 7º Distrito da Virgínia, onde a ex-oficial da CIA e deputada democrata Abigail Spanberger está tentando a reeleição contra uma conservadora apoiadora de Trump, a republicana Yesli Vega. Se os democratas conseguirem manter esse distrito, que se tornou mais favorável para seu partido na reconfiguração, ainda não quer dizer que terão o controle da Câmara, mas pode indicar que conseguirão impedir que os republicanos ganhem de lavada. Spanberger, uma das incumbentes mais fortes do partido Democrata, não hesitou em criticar o presidente ou seu partido.
E é bom ficar de olho no 7º Distrito de Michigan, onde outra ex-oficial da CIA e deputada democrata, Elissa Slotkin, está concorrendo à reeleição. Slotkin é uma moderada que se distanciou das políticas progressistas e criticou seu partido por não se esforçar mais para lidar com o sofrimento econômico que os americanos estão enfrentando.
Campos de batalha do Senado: no Senado, vale prestar atenção nas disputas acirradas na Pensilvânia, Arizona, Nevada e Geórgia. Se a senadora democrata Maggie Hassan perder a reeleição em New Hampshire, é sinal de que a noite é do partido Republicano.
A Pensilvânia é a melhor chance dos democratas conseguirem um assento detido pelos republicanos, mas seu candidato, John Fetterman, sofreu um derrame pouco antes de ganhar a indicação pelo partido, em maio. Mesmo ficando de fora da campanha durante o meio do ano, Fetterman ainda tinha uma vantagem sobre o desafiante republicano, mas o recente debate realizado entre os dois levantou dúvidas sobre os efeitos do derrame sobre o candidato democrata.
Os republicanos estão tentando ganhar cadeiras detidas por democratas no Arizona, Nevada e Geórgia. Se nenhum dos candidatos na Geórgia obtiver 50% dos votos, haverá um segundo turno em dezembro, ou seja: a incerteza sobre o controle do Senado nos próximos dois anos pode durar semanas.
Esta é a primeira eleição nacional desde o cataclismo de 2020, quando Trump se recusou a aceitar a derrota e tentou permanecer no poder. Biden tomou posse duas semanas depois, com uma mensagem de conciliação e unidade nacional. Mas sua visão de que os "melhores anjos da América" poderiam unir um país polarizado se esvaneceu. Trump ainda não admite que perdeu, e está usando a mentira de que foi ilegalmente retirado do poder para catapultar uma candidatura à reeleição. Milhões de americanos acreditam nele, criando uma força entre seus principais apoiadores, algo que poderia levar o partido Republicano de volta ao poder no Congresso.
Um dos principais acontecimentos a serem observados na terça-feira é se os republicanos que perderem vão aceitar a derrota ou, a exemplo de Trump, insistir que venceram e citar irregularidades inexistentes nas urnas. Outra fonte de tensão são as disputas onde aparentemente os republicanos podem estar liderando a contagem de cédulas, até que grandes lotes de votos antecipados e por correspondência sejam tabulados de uma só vez. Trump usou esse cenário para falsamente lançar dúvidas sobre a integridade das eleições de 2020.
Nem é preciso supor. O partido Republicano já tem dito que fará da vida de Biden um inferno e tentará acabar com suas esperanças de uma reeleição. Em entrevista exclusiva à CNN, McCarthy afirmou que planeja submeter a Casa Branca a uma série de investigações sobre tudo, das origens da Covid-19 até a saída do Afeganistão.
O partido Republicano também pretende mirar nos negócios do filho de Biden, Hunter, e vai tentar desacreditar e interromper as investigações do FBI e do Departamento de Justiça sobre Trump. No Senado, uma maioria republicana tornaria extremamente difícil para Biden confirmar indicações para o gabinete e os principais oficiais, embaixadores estrangeiros e juízes. A expectativa é de impasses amargos em relação a orçamentos e ao limite de empréstimos do governo dos EUA — uma crise que poderia gerar ainda mais turbulência na economia global.
A história mostra que os presidentes recém-eleitos quase sempre enfrentam uma reação negativa nas eleições de meio de mandato. É por isso que eles colocam as prioridades legislativas no início de seu período no poder.
Se os democratas não se saírem tão mal, Biden terá um fôlego para contemplar se deve concorrer à reeleição. Se os republicanos vencerem, novas dúvidas surgirão sobre suas perspectivas em 2024. O presidente fará 80 anos em algumas semanas — uma ocasião para comemorar, mas também um lembrete indesejado de suas próprias fragilidades políticas.
No entanto, nem tudo são trevas para o presidente. Seus dois antecessores democratas, Bill Clinton e Barack Obama, sofreram forte desaprovação dos eleitores nas eleições de meio mandato, mas se recuperaram para ganhar a reeleição com facilidade dois anos depois. A questão é se Biden tem energia e destreza política para usar um Congresso extremamente republicano como um antagonista para se sobressair.
O ex-presidente transformou as "midterms" em um teste de lealdade dos republicanos, que tiveram de pagar por seu endosso ao reforçar as falsas alegações de fraude eleitoral em 2020. Os líderes do partido Republicano queriam que Trump ficasse de fora das eleições — mas não é assim que ele opera.
Trump foi um fator-chave para que seu partido perdesse a Câmara em 2018 e o Senado e a Casa Branca em 2020, e é possível que ele volte a ser um estraga prazeres, já que seus protegidos na Pensilvânia, Geórgia e Ohio têm muitos pontos fracos como candidatos. Se os republicanos se saírem bem na terça à noite, Trump vai levar o crédito. Se não atenderem às expectativas, ele vai culpar todo mundo.
De qualquer forma, o ex-presidente parece que vai concorrer novamente em 2024 — uma campanha que poderia desencadear um colapso político, já que existe a chance de ele ser indiciado por esconder documentos confidenciais ou por sua má conduta após as eleições de 2020.
Conclusão: uma vitória republicana na terça-feira, especialmente na Câmara, significa que, dois anos após sair em desgraça, o "trumpismo" estará de volta ao poder.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Eleições de meio de mandato: um guia para quem não é dos EUA no site CNN Brasil.