Os produtores de vinhos argentinos, definitivamente, são atentos e sensíveis às demandas do mercado e do consumidor. Enquanto os chilenos insistem em inundar os mercados com vinhos planos, falsamente baratos e que sequer conseguem atingir a mediocridade, os argentinos se esmeram para produzir vinhos bem feitos, com valores acessíveis e que vão de encontro com os gostos mutantes e perneáveis do consumidor, sem abrir mão do “DNA” de suas regiões produtoras. Os grandes vinhos argentinos, de preço mais elevado, guardam uma complexidade que valem quanto custam e, mesmo assim, são acessíveis a boa parcela do mercado mundial. Os chilenos, por seu turno, encareceram seus vinhos de modo injustificado, como estratégia de marketing, para vender a falsa ideia de que são disputados e a básica da oferta-demanda é que elevaram seus preços.
O produtor argentino, não precisando desse subterfúgio rasteiro, optou por esmerar seus vinhos e colocar no mercado rótulos mais sofisticados – aí com preços mais elevados em relação aos demais produtos da bodega – porém que guardam, em suas garrafas, um vinho mais aquilatado, diferente mesmo, superior. Já o chileno mantém a régua de seus tintos com notas de goiaba e eucalipto e seus brancos com aquele, irritante, abacaxi amanteigado (de fato são muito semelhantes os vinhos de entrada e os mais caros de uma mesma empresa chilena). Devo abrir um justo parêntese: há exceções no Chile, para esta triste e decadente realidade, a espanhola Miguel Torres que, lá instalada, respeita as regras de produção espanholas (Graças a Deus) e a Matetic, que segue fazendo ótimos vinhos biodinâmicos, deixando de lado a tendência execrável dos demais e se inspirando no saudoso mago Didier Dagueneau.
Voltando aos argentinos, estes têm ofertado vinhos geniais e a preços justos, que guardam equilíbrio com a qualidade e o valor de suas garrafas. Mesmo vinícolas consagradas, como a Catena, Bodegas Lopez, Bodega Salentein, Zuccardi, Bodega Trapiche, dentre tantas outras, têm se preocupado em aprimorar seus vinhos e trazer coisas criativas e harmônicas com seus terroirs. Tenho me deparado com vinhos argentinos de muita qualidade e preços bem razoáveis; vinhos gastronômicos, alguns de guarda, mas todos muito bem postos. O vinhateiro argentino é criativo e esta criatividade me chama a atenção desde que conheci o maravilhoso Montchenot, da Bodege Lopez, que é um vinho produzido com uvas da Finca La Marthita, de antigos vinhedos plantados em 1940, cujo corte que o compõe corresponde às castas Cabernet Sauvignon, Merlot e Malbec, com predomínio da primeira. Este, ao meu ver, é o vinho ícone da criatividade e respeito ao terroir de toda a Argentina (opinião estritamente pessoal). Entretanto, há outros muitos vinhos argentinos, em diversas faixa de preço, que merecem ser citados e recomendados.
O Alfredo Roca Parcelas Originales Malbec é um vinho simples, que custa menos de R$ 100, e que pode frequentar mesas com pratos de assados e caças requintados. O Trapiche Costa e Pampa Sauvignon Blanc é um branco que merece respeito, sendo que, após a fermentação, o vinho é engarrafado e vai muito bem com frutos do mar, pratos delicados com vegetais e molhos suaves. O Zuccardi Poligonos del Valle de Uco Cabernet Franc San Pablo é um vinho que carrega arte e inovação; tem preço um pouco maior, mas vale o que custa. É complexo, bem feito, genial mesmo. O Clandestino Reserva Malbec é produzido a partir de vinhedo com mais de cem anos de vida, 100% Malbec, localizadas na região Vista Flores e La Consulta na Valle de Uco, Mendoza; o vinho estagia por 50% em barricas de carvalho francês durante 12 meses e o restante 50% em tanque de aço; acompanha bem massas como molhos fortes, a exemplo de um gnocchi puxado no Gorgonzola, por exemplo. O Demetrio Galiano Luna Malbec é um vinho para o dia-a-dia ou para um churrasco despretensioso, tratando-se de um Malbec fresco, generoso e convidativo, elaborado pela centenária Bodega Casiana, uma das pioneiras em Mendoza. Por fim, o Susana Balbo Signature Malbec é o típico vinho de autoria, vai muito bem com frios embutidos, queijos, hambúrguer e churrasco. O vinho argentino consegue bem surpreender em cada rótulo, em cada garrafa. A verdade é que o que há de melhor no Novo Mundo encontra-se nos três países produtores da Bacia Platina (Argentina, Uruguai e Brasil), que ousaram se afastar da mediocridade hipócrita do Pacífico. Salut!