Esta semana foi especialmente interessante para observar a infantilidade da mentalidade brasileira com relação à sua liberdade. Imagino sinceramente literatos, acadêmicos e jornalistas do Leste Europeu da primeira metade do século XX observando nossos jornalistas, acadêmicos e literatos dando suas cambalhotas retóricas enquanto tentam justificar o controle estatal do discurso popular nas redes sociais. Enquanto purpurinam a tentativa do governo petista de engessar em caixinhas ideológicas o que pode ou não ser expressado nas praças de timilines, tudo ‒ é claro ‒ sob a sacrossanta régua de um poder central imaculado e bem intencionado… Bota fé…?
O quão atrasada e tola pode ser uma nação que acredita que o Estado, um ente de usurpação por natureza, que tem o monopólio do poder policial, quer controlar a opinião pública apenas para minorar “discursos de ódio”? É preciso mais fé para acreditar na benevolência do Estado, gestado por políticos corruptos, do que uma senhora católica para crer na Santíssima Trindade. Tal fideísmo de cordeiro me faz lembrar de uma ocasião quando, em uma prova de múltipla escolha, não concordei com as opções de resposta que professor ofertou, realmente não encontrava nas respostas disponíveis uma correta à questão; então, eu me levantei, fui à mesa do mestre e questionei-o sobre tal situação. A sua resposta foi simplesmente: “se coloquei apenas essas quatro repostas possíveis, é porque uma delas é a correta. Não questione”. Ainda que ele tivesse correto, e meu questionamento fosse infundado, ele sequer me deu o benefício da dúvida. Para controlar aquela afronta, ele usou tão somente a sua autoridade para impor aquilo que ele definiu ser a verdade da situação; ele tinha, então, o controle da dúvida razoável e o benefício da autoridade que silenciava o ousado dissidente. E é justamente sobre esse controle que se trata a PL da censura: ou a liberdade de expressão existe no fato de podermos dizer e questionar o que quisermos ‒ arcando com as consequências do que foi dito ‒, ou não há liberdade. Em outras palavras, se o Estado já predefinir o que eu posso ou não dizer em um espaço público, já não há plena liberdade a ser exercida. Confesse, não é tão difícil assim de entender…
Mas, se não é tão difícil de entender, a pergunta que nos resta é: “por que existem tantos indivíduos que defendem o controle estatal do discurso público?”. A resposta, acredito, é mais psicológica, histórica e sociológica do que podemos imaginar. O brasileiro, parece-me, padece de uma espécie de carência social, de uma espécie de paternidade pública. Acreditamos desde a mais tenra idade que o Estado tem que agir, que o Estado é obrigado a me ajudar a vencer dificuldades, garantir dignidades, conseguir o pão, o gás, o emprego, a roupa e até mesmo preservativos e absorventes. Ao final, o Estado tem que ser o nosso eterno pai provedor. Esperamos do governo aquilo que historicamente mulheres e filhos esperavam do líder do lar; e, da mesma forma que o pai definia o que podia ou não ser dito na mesa do jantar, ou quais tipos de roupa deveríamos usar na igreja, esperamos que o leviatã possa controlar as blasfêmias de seus filhos mal-educados, que os direcione o caráter e os modos públicos de suas crias.
Os esquerdistas contemporâneos, conhecidos como progressistas, carecem da força moral da autonomia que só vem através das experiências do amadurecimento; desde quando deixaram no colo do Estado as funções e deveres que cabiam antes ao gênio, força e inventividade dos indivíduos, eles criaram uma mentalidade infantil e subserviente, uma mentalidade que engole e tritura seus séquitos com mais frequência do que podemos imaginar. O Estado soviético, que vendia a igualdade e a prosperidade através da repartição estatal dos bens, foi o mesmo que matou por inanição milhões de ucranianos; os mesmo revolucionários que comporiam o Estado cubano em 1959, prometendo novos tempos de liberdade e igualdade, foram os que fizeram indivíduos desesperados preferirem navegar o alto mar em botes de garrafas pet a passarem mais um dia sequer naquele “céu” dos socialistas.
Essa falta vitamínica do amadurecimento moral, da ausência do brio ético que impõe a primazia da liberdade individual ante a massificação do Estado, é um mal que acompanha a geração Z em diante. Homens e mulheres que se afastaram muito da realidade dos terrores perpetrados por Estados totalitários do século XX naturalmente se esquecem, ou não captam a seriedade, do que significa um Estado gerido por ideólogos cegos. Após a queda da União Soviética, no Ocidente maduro, tornou-se lugar comum, até mesmo entre uma boa parte da esquerda, a convicção de que a liberdade de expressão é raiz, fundamento e arrimo da árvore democracia, da ordem jurídica que mantém uma sociedade livre, eficaz, justa e diversa. E, como é óbvio, não se podam raízes, não se golpeiam fundações.
Pois bem, que fique claro hoje isto: toda ditadura, todos os exemplos históricos de enfraquecimento da democracia e de início mesmo das autocracias modernas, deu-se através do controle estatal dos discursos públicos, daquilo que ‒ segundo os padrões ideológicos dos governos ‒ poderia ou não ser dito. O Estado controlará o que pode ser dito para que os questionamentos e críticas sinceras não possam enfraquecê-lo; não se trata de “discurso de ódio”, trata-se de poder e da perpetuação dele. A promulgação do PL da Censura pode ser um ponto de mudança drástica da situação política no país, e, como já disse inúmeras vezes, a forma eficaz de parar ditadores é enfraquecendo-os através da renegação pública de suas ideias, pois, após serem empoderados, eles jamais recuam ‒ nem se iludam com isso. Da mesma maneira que o inferno não estorna almas, ditadores não devolvem liberdades.