Já disse outras vezes que toda e qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito impulsionada pela oposição precisa ser técnica, profissional, para não se transformar em palanque eleitoral e jogar ainda mais lenha na fogueira da polarização.
Já disse outras vezes que toda e qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito impulsionada pela oposição precisa ser técnica, profissional, para não se transformar em palanque eleitoral e jogar ainda mais lenha na fogueira da polarização. No caso da CPI do MST, recomendo que Ricardo Salles e Coronel Zucco solicitem ao Tribunal de Contas da União todos os relatórios de auditoria e posteriores acórdãos sobre a condução dos programas de reforma agrária pelo Incra nas gestões Lula e Dilma Rousseff. Fiz este trabalho nos últimos dias e me deparei com indícios de titulação irregular de lotes e concessão de benefícios rurais; ausência de registro contábil das terras arrecadadas pela União e das regularizações fundiárias ocorridas na Amazônia Legal; falta de monitoramento sobre assentados, que não produzem ou vendem ilegalmente imóveis rurais; além de zero planejamento estratégico. Em suma, uma zorra total.
Relatório amplo, produzido pela gestão de Bruno Dantas à frente do tribunal, reúne todos os achados das mais importantes auditorias realizadas nos últimos anos, inclusive nos principais programas voltados ao trabalhador do campo, entre 2009 e 2014: o tradicional Programa Nacional de Reforma Agrária e o Programa Terra Legal, na Amazônia Legal.
O TCU identificou deficiências na execução da política de regularização fundiária das áreas rurais da Amazônia Legal, com problemas relacionados a não reversão de áreas irregularmente ocupadas – com dano de cerca de R$ 2,4 bilhões; incremento do desmatamento – 82 mil hectares desmatados apenas nas regiões vistoriadas; inconsistências e sobreposições nos sistemas georreferenciados – Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter); indícios de titulações irregulares – referentes a imóveis avaliados em cerca de R$ 12,3 milhões; existência de 11% dos beneficiários que não atendiam aos requisitos do programa, entre outros. Foram encontrados ainda indícios de irregularidades na relação de beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) decorrentes de falhas no processo de seleção e na supervisão ocupacional, com prejuízos financeiros potenciais de R$ 2,83 bilhões (R$ 89,3 milhões no curto prazo).
Segundo o tribunal, “esses indícios revelam baixa adoção de medidas que mitigam ocorrências relacionadas à ocupação irregular dos lotes, com impactos negativos para a boa gestão da ocupação e do uso do solo e sustentabilidade do uso do solo e da água”. Constatou-se ainda subavaliação do ativo decorrente da não contabilização de terras de regularização fundiária. “Quanto às glebas, a equipe de auditoria acatou informação do Incra dando conta da existência de 389 parcelas compondo área de quase 20 milhões de hectares, equivalente a R$ 52 bilhões.
As auditorias apontaram que a maior parte do orçamento do Incra tem sido consumido com despesas na área de pessoal e pagamento de precatórios. “De acordo com o Siop, em 2016, o Incra executou 58,86% das suas despesas na área meio, 23,97% com precatório (usados para desapropriação) e 17,17% na área finalística.” A partir dos governos Temer e Bolsonaro, parte dos problemas começaram a ser sanados, com medidas de racionalização da estrutura e de processos, para tornar a regularização fundiária mais célere e confiável. Ainda em 2018, segundo o TCU, “houve direcionamento de recursos para a prevenção de tensão social e violência no campo e mediação de conflitos”. Em 2019, o orçamento total da autarquia aumentou para R$ 3,6 bilhões.
Em sua conclusão, o TCU ressalta que as falhas na definição de prioridades para ocupação e uso do solo e ações de promoção da sustentabilidade do uso do solo e da água “perpassam a dispersão e falta de integração entre instituições governamentais responsáveis e complexidade e fragmentação da legislação correlata”. “Como consequência, o Brasil possui pouco conhecimento, tanto sobre ocupação do território quanto sobre capacidade de uso dos solos.” O documento ressalta que, nos próximos 25 anos, a degradação da terra pode reduzir a produtividade global de alimentos em até 12%, levando ao aumento de 30% nos preços dos alimentos, em nível mundial. “Esse risco impacta o setor agropecuário, que é relevante na economia brasileira.”
Em 2022, a participação do agro no PIB foi de 24,8%. Em 2020, a participação do setor agropecuário no produto interno bruto (PIB) brasileiro foi de 26,6%, podendo chegar a 28%, em 2021, segundo estudo divulgado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). Em 2022, o valor bruto da produção agropecuária (VBP) atingiu R$ 1,189 trilhão. Não se brinca com tanto dinheiro. A CPI do MST não pode virar circo nem acabar em pizza.