O processo de revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo vem sendo alvo de duras críticas desde o início dos seus trabalhos.
O processo de revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo vem sendo alvo de duras críticas desde o início dos seus trabalhos. Planejar o desenvolvimento urbano é tarefa complexa, pois exige o atendimento de demandas legítimas provenientes de todos os segmentos sociais, cabendo ao poder público a iniciativa de ordenar os regramentos urbanos e mitigar impactos para atender aos envolvidos, sejam eles cidadãos, empresas ou serviços. Por esta razão, causaram estranheza as alterações incluídas pelo vereador Rodrigo Goulart (PSD) em seu relatório final apresentado na Câmara Municipal de São Paulo na última terça-feira, 23, durante Audiência Pública da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente. A população, representada por coletivos, associações, especialistas e demais organizações civis, não legitimou as alterações contidas no texto final. As discussões foram realizadas ao longo de meses, em audiências públicas, e as tais mudanças nunca foram apresentadas. É como se as regras de um jogo em andamento fossem alteradas por um dos jogadores unilateralmente. No caso, o relator Rodrigo Goulart.
A cidade não pode ser feita por vereadores e para os vereadores. A cidade é fruto do trabalho coletivo de pessoas e, portanto, pertence a elas. Canso de citar em minhas colunas os trabalhos realizados por prefeitos cuja governança democrática, realizada a partir do ativismo social, representa os interesses dos cidadãos e seu bem-estar, legitimando todas as intervenções realizadas por eles. A governança democrática é fruto de negociações e mitigações entre todos os envolvidos, não cabendo aos vereadores definir o que é mais ou menos importante para o crescimento urbano. Foi o que aconteceu na apresentação do texto do relatório final. Mas o que vem acontecendo aqui em São Paulo e outras milhares de cidades brasileiras? Instrumentos de participação existem e foram todos disponibilizados. Por que não funcionam?
Em estudo realizado pela bancada feminista da PSOL, das 26 propostas de alterações em artigos encaminhadas pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) à Câmara de Vereadores como sugestão para a revisão do Plano Diretor de São Paulo, 15 foram contempladas totalmente no substitutivo, 3 contempladas parcialmente e 8 rejeitadas. Significa que 70% das 26 propostas foram contempladas de alguma forma. E sobre as sugestões encaminhadas pelas associações de moradores, organizações não governamentais, instituições universitárias, fóruns de pesquisa e demais entidades de representação da sociedade civil? Quantas delas foram contempladas, mesmo que parcialmente? Quantas foram rejeitadas? O líder da Câmara, Milton Leite, e o relator, Rodrigo Goulart (PSD), têm alguma ideia? Acolher integralmente as sugestões da Abrainc sem a apresentação em audiências públicas é uma atitude que afronta a governança democrática, pois, apesar de os vereadores terem sido eleitos pela população, a imposição de alterações sobre o texto da revisão sem o devido escrutínio público é posicionamento questionável.
Percebe-se que a Câmera de Vereadores da cidade de São Paulo vem encontrando certa dificuldade na implementação efetiva e eficaz dos instrumentos institucionais e legais existentes para o exercício de governança democrática entendida como a integração dos cidadãos no governo via participação política nos três entes federativos. Trata-se de garantia prevista pela nossa Constituição. Por um lado, os agentes do Estado têm o dever de promover e garantir o interesse público, e os cidadãos, o direito e o dever de participar de todo o processo, percebendo-se nas decisões e legitimando os resultados. Participação em audiências públicas, conferências, conselhos municipais, plenárias e fóruns temáticos não garante que, ao final, as demandas da população sejam atendidas.
Veronica Bilyk, membro do Conselho Participativo Municipal e coordenadora do Movimento Pró-Pinheiros, é um ser político, como eu e você. Para ela, é decepcionante a negligência dos vereadores em atender as demandas sociais. Questões relacionadas aos mecanismos de fomento e oferta de habitações de interesse social nos eixos de transporte coletivo, a realização de estudos técnicos que apresente os impactos positivos e negativos das propostas feitas pelos vereadores nas questões relacionadas à mobilidade, as consequências ambientais e transtornos frente ao aumento da impermeabilização causados pelos novos empreendimentos são algumas das proposições. Por mais sensatos e necessários que sejam os seus pleitos, o resultado da revisão não os atende. A população mostra-se mais atenta às necessidades urbanas contemporâneas e ao atendimento das discussões que compõem a agenda urbana internacional (Agenda 2030) do que a própria Câmara de Vereadores.
Ancorado em números pífios referentes à participação, o vereador Rodrigo Goulart exalta a participação da população no processo. Foram consideradas as contribuições populares colhidas nas 46 audiências públicas realizadas no legislativo paulistano sobre o tema, com a participação de 2.679 cidadãos e 618 manifestações — segundo a própria Câmara. Bylik afirma ainda que os cidadãos transforam-se em números e estatísticas, escancarando o descolamento da realidade concreta vigente nas sugestões propostas no relatório de Goulart, que simplesmente exclui, quando não ignora, as alternativas propostas pela população. “Apresentar em três minutos de fala o que levamos meses estudando e discutindo na associação Pró-Pinheiros é desrespeitoso, para dizer o mínimo”, diz Bylik. Na mesma situação, encontram-se os demais cidadãos, cujas audiências foram realizadas em meio digital ou, quando presenciais, longe dos bairros onde os principais interessados moram, estudam e trabalham.
Se o vereador Rodrigo Goulart quiser, de fato, comemorar com êxito a aprovação do texto alternativo da minuta de substitutivo ao Projeto de Lei 127/23 pelos cidadãos, recomenda-se fortemente que a carta aberta do Fórum SP 23 seja lida com afinco. Nela, solicita-se que seja realizado um processo amplamente participativo sobre a minuta de substitutivo apresentada, antes de sua primeira votação em plenário, com a realização de consulta pública durante o período de 30 dias, a realização de audiência pública para devolutiva das proposições — com sistematização das propostas apresentadas e justificativa para o acolhimento ou não das mesmas — e identificação da autoria das proposições incluídas no substitutivo, seja elas provenientes de cidadãos, entidades da sociedade civil, vereadores ou do próprio relator.
Aristóteles (384-322 a.C) afirmava que somos seres políticos, pois fazemos política de acordo com a forma como nos relacionamos com as pessoas e com o mundo lá fora. Ou seja, não precisamos ser vereadores, prefeitos, deputados, governadores, presidentes ou ter cargo político para sermos políticos. Para ser político, basta nos relacionarmos e participarmos, por exemplo, por meio de discussões e ações, dos rumos que vêm tomando as nossas cidades, cobrando, daqueles que você elegeu, o cumprimento do que foi prometido em campanha. Buscar soluções que atendam as nossas vidas urbanas e cobrar das autoridades projetos de lei que melhorem a nossa qualidade de vida urbana já é um bom começo. Fique de olho nos candidatos nas próximas eleições: tapinha nas costas, sorriso falso, pastel na feira e abraço em área pública, com direito a selfie, pode ser uma roubada.
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