A delação premiada do ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, revelou os bastidores da trama golpista, na reunião do Mito com os comandantes militares da Marinha, Exército e Aeronáutica.
A delação premiada do ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, revelou os bastidores da trama golpista, na reunião do Mito com os comandantes militares da Marinha, Exército e Aeronáutica. A tentativa de cooptação e a pronta adesão de parte dos oficiais do alto comando mostrou o quanto a frágil democracia brasileira esteve à beira de um golpe de morte. Chama a atenção que no processo legal e político tenha escapado o foco necessário sobre o "crime-primeiro", aquilo que se viu a céu aberto na tentativa de golpe militar e a volta da ditadura: a permissão para os acampamentos dos bolsonaristas nas portas dos quartéis. Sem a investigação, o julgamento e a punição dos militares responsáveis por este crime à democracia continuará convivendo com a sombra do golpismo e da intervenção militar. Só o poder civil e suas instituições civis podem e devem agir por força constitucional nas questões políticas e legais da vida em democracia.
Os comandantes militares responsáveis pelas áreas de aquartelamento cometeram um grave crime e uma imoralidade explícita. A segurança no entorno dos quartéis é um dever legal, moral e constitucional das Forças Armadas. Os militares têm inclusive o direito de exercer o papel de polícia nestas áreas de aquartelamento. Mas os maus comandantes permitiram os acampamentos dos bolsonaristas porque a extrema direita celebrava o mito da superioridade moral dos militares e da força das baionetas para fazer uma intervenção para manter o presidente derrotado nas urnas como o ditador-capitão.
Os acampamentos foram a marca pública do golpe posto em marcha. Ninguém duvida que qualquer outro tipo de acampamento, de indígenas, de ativistas LGBTQIA+, de quilombolas ou de crianças da rede pública de ensino infantil, teria destino diferente da complacência e cumplicidade dada aos bolsonaristas. Qualquer grupo de outros brasileiros seria enxotado das portas dos quartéis com o Exército usando o seu poder legal de polícia. Para os extremistas, que rezavam pela volta dos militares, os acampamentos foram permitidos e até protegidos. Agora, com a ressaca do golpe frustrado, os mesmos bolsonaristas que rezavam pelos militares estão xingando aqueles generais, a maioria no Alto Comando, que se mantiveram no seu devido lugar: na defesa do estado democrático de direito.
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A CPMI dos atos de 8 de janeiro ainda não cumpriu a investigação sobre este "crime-primeiro", com os seus desdobramentos:
– Os acampamentos serviram de base para as ações dos radicais. Nunca foi um lugar de manifestação pacífica, mas verdadeiro um ninho de radicais na gestão de atos criminosos que servissem de motor para o processo do golpe contra a Justiça Eleitoral e a tomada de poder pela intervenção militar.
– Em óbvio, a depredação dos prédios dos três poderes não foi "o golpe", mas foi muito bem pensado e articulado como cenário útil para as condições do golpe. Os acampamentos foram base estratégica usada nesta operação contra a democracia.
– Os generais que permitiram os acampamentos nas portas dos quartéis cometeram um crime. Não há ainda, em nenhum fórum de debate público e de investigação, ninguém com coragem de colocar o dedo na ferida da democracia ameaçada. É preciso identificar quais oficiais devem ser responsabilizados, investigados, julgados e punidos, para o bem da democracia e pela defesa da própria imagem das Forças Armadas.