O ataque a faca na Irlanda no final de novembro deu força à onda anti-imigração no país, que já vinha se manifestando, assim como em outras regiões da Europa. Mesmo tendo sido onsiderado um fato isolado — o país não tem histórico de ataques como França e Bélgica —, a situação desencadeou em violência, saques às lojas e atos xenofóbicos, e deixou os brasileiros que vivem no país amedrontados. Apesar do ataque ter sido interrompido pelo entregador Caio Castro Benício, um imigrante brasileiro que mora no país, e de ter havido uma comoção por parte dos irlandeses e pessoas de outras nações pelo seu ato heroico, — houve até uma vaquinha em que se arrecadou mais de R$ 2 milhões —, não foi possível encerrar os protestos, nem mesmo tranquilizar alguns imigrantes que foram morar na Irlanda de segurança. O intercambista Leonardo Martins, que está no país desde fevereiro, conta que, desde que o episódio aconteceu, o clima na cidade ficou mais pesado. Muitas pessoas têm relatado o medo de sair na rua e serem atacados pelos manifestantes anti-imigração. “As pessoas que estão aqui há mais tempo falam que essa foi a primeira vez que alguma coisa assim aconteceu. Aqui é um país seguro, mas nos sentimos inseguros quando acontece algum assim porque a polícia irlandesa não tem força suficiente para deter isso”, fala.
Ele conta que alguns irlandeses estão saindo às ruas para protestar contra a violência registradas nas manifestações e os ataques aos imigrantes. Mesmo assim ele ainda não se sente confortável. “Ainda me sinto um pouco inseguro, estou evitando andar sozinho. E muitas pessoas têm partilhado o mesmo sentimento que eu”, fala. Preste a completar um ano no país, Martins conta que ainda não foi vítima de xenofobia, porém, considera seu caso isolado. “Vi relatos que pessoas que estão com medo de sair na rua, e uma mulher chegou a contar que está andando com o cabelo preso para parecer menos imigrante. O cabelo dela é cacheado”, relata o intercambista. Ele não esperava enconrtrar algo como está presenciando agora. “No Brasil eu nunca senti nada parecido”, diz Leonardo, que foi para Irlanda estudar inglês. Ooataque aconteceu do lado da escola em que ele estuda. O brasileiro acompanhou tudo da janela da sala de aula e, de início, não entendeu o que estava acontecendo. Chegou a achar que era um acidente, mas depois tomou conhecimento da gravidade da situação.
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O diretor de marketing digital, Dalvan Maciel, que está no país há quase seis anos, não teve a sorte que Leonardo. Ele conta que no começo, quando estava trabalhando na rua, passou por situações de xenofobia, envolvendo alguns adolescentes que ficam andando pelas ruas de bicicleta, atirando batata e ovo nos imigrantes sem nenhuma razão. “Eu trabalhei na rua como delivery, que hoje em dia, junto com os drivers, é um dos alvos mais fortes deles. Uma vez quando estava trabalhando, eles tacaram ovo em mim”, lembra Maciel. O diretor conta que sofreu xenofobia mais por parte de pessoas que outros países europeus que vivem na Irlanda do que dos próprios irlandeses. Segundo ele, muitos ainda têm o esteriótipo de que, no Brasil, se passa fome e não se tem o que comer, que tomo mundo é pobre e que os brasileiros foram fugidos para Irlanda. Não conseguem entender que estão ali em busca de crescimento profissionais, aprimorar o inglês e uma melhor qualidade de vida. O brasileiro sente que a xenofobia na Irlanda aumentou após a pandemia de Covid-19. “Acredito que seja porque muita gente não conseguiu fazer o intercâmbio naquela época. Quando liberou, veio todo mundo de uma vez”, recorda. Segundo ela, a guerra na Ucrânia, que está prestes a completar dois anos, também contribuiu com o aumento da xenofobia.
“Essas situações acabaram atraindo muitos imigrantes para Irlanda, que sempre foi um país que abraçou as pessoas, porém esse êxodo acabou impactando na questão dos irlandeses, que olharam que a economia não estava boa o suficiente para comportar todos os imigrantes”, explica. Para este final de semana, estão marcadas mais manifestações anti-imigrantes. Até a comoção com o brasileiro que interrompeu o ataque também gerou uma certa revolta. “Um lado da comunidade de irlandeses teve preconceito e começaram a falar que não tinha sido apenas ele que interrompeu o ataque, pessoas que outras nacionalidades também contribuíram”, conta. “A população que já estava contra a nossa presença aqui ficou ainda mais brava após essa mobilização”, acrescenta. Taise Azevedo, advogada especialista em imigração, que mora na Irlanda há cinco anos, fala que o país é movido por imigrantes, com destaque para os brasileiros, que, segundo o último censo, representa de 70 mil a 80 mil pessoas que residem na Irlanda atualmente. Segundo ela, o país é receptível com essas pessoas, e o episódio de semana passada foi um caso isolado.
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“Os irlandeses levam bastante a sério essa questão de xenofobia, não só a discriminação em relação à nacionalidade da pessoa, mas eu vejo que eles tomam muito cuidado”, conta, apontando o cuidado do governo para adotar medidas que evitem a discriminação. “O primeiro-ministro irlandês pediu desculpas em novo do governo pelas manifestações xenofóbicas, disse que o país está comprometido em combater essas atitudes e falou que as autoridades vão fortalecer as medidas para combater ainda mais a xenofobia.” Azevedo também conta que está em curso no país uma pesquisa sobre a integração dos imigrante à população irlandesa. “Eles querem nos ouvir, saber o que está acontecendo nos bastidores, o que a gente acha, quais são as dificuldades que a gente tem, desde burocracias imigratórias até aqui.” Para ela, essa consulta pública já é um passo para melhorar a situação dos imigrantes no país e mostrar que eles estão sendo ouvidos. “Comparado a outros países da Europa, a Irlanda tem um sistema que facilita a entrada de imigrantes. Então, seria um pouco contraditório ela ser um país tão xenofóbico e anti-imigrante”, opina.
À Jovem Pan, Felipe Costi, vice-embaixador do Brasil da Irlanda, lembra que a Irlanda é um país que passou por um desenvolvimento econômico grande a partir dos anos 90. Um local que cresce e atraí indústrias e multinacionais, o que fez com que aumentasse o percentual de imigrantes. “Hoje, por exemplo, acredito que os imigrantes representam 15% da população, o que é um número alto”, ressalta. O vice-embaixador também destacou que há grupos pró-imigração no país e que está havendo manifestações contra os atos xenofóbicos. “Eles têm consciência que o trabalho dos imigrantes é importante aqui para economia em todos os níveis, desde o pessoal que vem trabalhar nas multinacionais até aqueles que fazem os trabalhos mais modestos.” Apesar de abraçar o país, Costi destaca que a Irlanda pena na punição para quem pratica xenofobia. “Para mim, o problema da Irlanda é que não tenha havido condenações ou punições mais severas a atos xenofóbicos. Esse é o caldo da cultura que ficou.” Ele afirma que a maioria dos ataques xenofóbicos é feito por adolescentes.
“O que a gente nota, é que a polícia não vai atrás ou desconsidera porque sabe que o menor vai sair logo. Então, a gente não vê casos com condenações, o que permite que eles sigam com o comportamento intolerante”, relata Costi. Ele acredita que agora haverá endurecimento da legislação e da própria polícia, obrigada a dar atenção para esses casos. Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais pela Universidade de Lisboa, aponta que, apesar da Irlanda ser um país que se abriu para os imigrantes, a mudança no comportamento dos últimos anos se dá por causa de um problema de desigualdades social, com aumento da pobreza dos próprios irlandeses. “Os irlandeses classe média estão sendo substituídos por um estrangeiro de alta qualificação. Isso causa um problema social dentro do país. São questões difíceis de serem resolvidas. Se hoje a economia da Irlanda cresce, é por causa dos imigrantes”, afirma o especialista. Se boa parte dos países europeus culpam a imigração pelos seus problemas, a Irlanda ainda é mais receptiva por causa do seu processo histórico. “O país fez parte do antigo Reino Unido. Eles sabem o que é ser um país colônia que não é o centro do mundo. Por tempos, foram eles que precisaram fazer a migração para outro lugar.” Lucena lembra que Nova York, por exemplo, tem uma grande colônia de imigrantes irlandeses. “Então, o espírito deles sobre essa situação é muito mais condizente e eles entendem a necessidade de migração para melhorar a qualidade de vida.”
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