Um novo estudo publicado na revista The Lancet Global Health revela que as mortes anuais por calor na Europa podem triplicar até o fim do século devido às mudanças climáticas.
Um novo estudo publicado na revista The Lancet Global Health revela que as mortes anuais por calor na Europa podem triplicar até o fim do século devido às mudanças climáticas. Em contrapartida, as mortes relacionadas ao frio diminuiriam, embora de forma menos significativa, com uma redução estimada de apenas 8%.
A análise estatística dos dados entre 1991 e 2020 indica que, atualmente, cerca de 44 mil pessoas morrem anualmente devido ao calor no continente europeu. No mesmo período, o número de mortes por frio alcançou 364 mil por ano, o que representa uma taxa de 8,3 mortes por frio para cada uma por calor. Com um aumento de 3°C na temperatura global em relação aos níveis pré-industriais, essa proporção mudaria para 2,6 para 1 até o ano 2100, evidenciando desafios significativos para a adaptação e mitigação dos efeitos do aquecimento global.
O cenário se tornaria ainda mais grave com um aumento de 4°C na temperatura global, resultando em 207 mil mortes por calor e 296 mil por frio ao ano, com uma razão de 1,4 para 1. Os idosos, especialmente aqueles com 85 anos ou mais, são os mais vulneráveis em todos os cenários.
O Acordo de Paris visa limitar o aumento da temperatura global a menos de 2°C, com o objetivo de reduzir ainda mais para 1,5°C, dada a relação direta entre o aumento da temperatura e os impactos negativos, como extinção de espécies, perda de áreas costeiras e aumento das mortes por doenças tropicais e calor extremo.
O frio pode causar hipotermia, que compromete funções vitais como a circulação sanguínea, a respiração e o funcionamento do cérebro. Em contraste, o calor extremo provoca hipertermia, danificando as estruturas celulares, dificultando a regulação da temperatura interna e causando desidratação severa, o que pode levar à falência múltipla dos órgãos e à morte.
A simulação epidemiológica incluiu dados de 854 cidades em 30 países, abrangendo 1.368 regiões. A modelagem considerou projeções de temperatura e demografia, capturando tanto os efeitos imediatos quanto os retardados das variações de temperatura na mortalidade, uma vez que o impacto de ondas de calor ou frio pode se manifestar ao longo de dias ou semanas.
A região sul da Europa, incluindo Espanha, Itália, Grécia e algumas áreas da França, seria a mais afetada pelo novo cenário, embora os efeitos se espalhem por todo o continente. Os pesquisadores alertam que os impactos na mortalidade podem se manifestar já nas próximas décadas, até 2050, especialmente pela combinação da mudança climática com uma estrutura etária envelhecida.
Embora os achados sejam específicos para a Europa, os autores acreditam que o estudo pode servir como referência para pesquisas semelhantes em outras regiões, como o Brasil. Segundo eles, o estudo ajuda a entender e caracterizar melhor os padrões regionais de risco de mortalidade em cidades e grupos etários.
Juan-Carlos Ciscar, do Centro Comum de Investigação (JRC) da Comissão Europeia e autor sênior do estudo, destaca que, enquanto as mortes relacionadas ao calor estão projetadas para aumentar significativamente no sul da Europa, as mortes por frio permanecerão elevadas em muitas partes do norte. Isso enfatiza a necessidade de intervenções políticas para proteger as populações vulneráveis e a importância de considerar a mudança climática e o envelhecimento populacional no planejamento futuro.
Entre as limitações do estudo, estão a predominância de dados de centros urbanos, que tendem a sofrer mais com o calor, e a extrapolação de dados de regiões faltantes, o que pode aumentar a incerteza da análise.
Matteo Pintor, do Instituto de Pesquisa Socioeconômica de Luxemburgo (Liser), destaca que, apesar das limitações, o estudo esclarece que a redução das mortes por frio não compensará o aumento das mortes causadas pelo calor.
Os autores do estudo enfatizam a necessidade de conscientização sobre o impacto das mudanças climáticas e os benefícios das ações de mitigação e adaptação para reduzir os efeitos na mortalidade. Eles sugerem que a comparação dos cenários de 3°C ou 4°C com as metas do Acordo de Paris (1,5°C ou 2°C) pode estimar os benefícios em vidas salvas de cada política implementada. Eles também ressaltam que o planejamento espacial e os padrões de construção são essenciais para reduzir os riscos à saúde relacionados ao calor, com um foco particular em regiões com altos índices de desemprego, pobreza e populações envelhecidas, que têm menor capacidade de adaptação às mudanças climáticas e são mais propensas a sofrer com as mortes relacionadas ao calor nos próximos anos.