Empresa havia classificado a situação como 'paquera', e não como crime, segundo o Tribunal Superior do Trabalho.
Uma jovem de 27 anos, que prefere não se identificar, contou que se sente mal ao lembrar de episódios de assédio sexual que sofreu do chefe em uma empresa varejista em Trindade, na Região Metropolitana de Goiânia. A empresa foi condenada a pagar R$ 71 mil em indenização à funcionária por conta do crime.
"Era horrível. Passei muita coisa, o assédio é só a ponta do iceberg. Para mim, é bem difícil falar ainda. Quando eu lembro de tudo que passei, eu me sinto mal", lamentou a jovem.
Segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a empresa havia classificado a situação como "paquera", e não como crime. De acordo com o TST, o assédio começou quando a funcionária, que era balconista, iniciou um período de seis meses de teste no açougue da empresa. Se aprovada, a funcionária seria promovida com um aumento salarial, o que não aconteceu.
A decisão foi unânime pela Sétima Turma do TST, conforme divulgado no site do tribunal no dia 13 deste mês. Ainda cabe recurso.
Informações do processo descrevem que o chefe começou as investidas com pequenos elogios, dizendo até que poderia largar a esposa para ficar com a funcionária. A vítima disse que pensou se tratar de uma brincadeira, até que ele passou a abraçá-la por trás e se esfregar no corpo dela, comportamento que ela nunca aceitou, mas o chefe não se continha.
A funcionária foi reprovada no teste para açougueira e, a partir de então, começou a ser perseguida pelo encarregado, recebendo advertências frequentes, segundo o TST. Incomodada com a situação, ela relatou o assédio ao setor de recursos humanos da empresa, mas disse que foi desacreditada pelo setor.
"Na hora que denunciei, a gente tava dentro do RH da empresa. Só tinha ele de homem lá. Ele não se defendeu. Quem defendeu ele foi a gerente. Então, ali achei que eu ia ter um apoio, que ia ter uma segurança, que tudo ia acabar, e aquilo para mim foi um balde de água gelada", descreveu.
"Ela conseguiu registrar a conversa, então ficou muito nítido a pressão que ela sofreu e não o assediador. Ela tinha muitas testemunhas, tinham os colegas de trabalho que testemunharam", completou Aline Ribeiro Caldas, advogada da vítima.
A advogada disse que a vítima trabalhou na empresa por um ano e um mês. Durante o processo, um funcionário testemunhou sobre o caso. "Ele disse que presenciava ela estar trabalhando e ele chegar por trás e abraçar ela, tentar beijar ela por trás", narrou Aline Ribeiro.
À TV Anhanguera, a rede de supermercados informou não apoia nenhum tipo de assédio, seja moral ou sexual, e ficou sabendo do caso após ser notificada pela Justiça, momento em que demitiu o empregado envolvido.
Sobre o processo, a empresa argumentou que, a Justiça do Trabalho em Goiás havia entendido que não houve assédio sexual, e que a vítima seria namorada do chefe, mas a instância superior decidiu depois julgar o caso favorável à vítima.
A funcionária entrou com uma ação trabalhista contra a empresa, pedindo uma indenização por danos morais e a rescisão indireta do contrato de trabalho, que é equivalente a uma "justa causa" do empregador. Assim, se for comprovado que ele cometeu uma falta grave, o funcionário tem direito a todas as verbas rescisórias.
Quando a empresa soube do processo, disse que a empregada mentiu "descaradamente" para enriquecer à sua custa, segundo as informações divulgadas do caso. De acordo com a varejista, "a balconista e o encarregado se paqueravam durante o horário de trabalho", e, por acreditar que o encarregado foi responsável pela reprovação no teste para açougueira, a funcionária teria "armado" o assédio sexual.
A empresa foi condenada a pagar indenização de R$ 30 mil pelo juízo da 18ª Vara do Trabalho de Goiânia. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-GO) excluiu a condenação porque a balconista "não teria comprovado que as investidas do encarregado eram indesejadas e repelidas".
O TRT-GO destacou que a trabalhadora admitiu, em depoimento, que a perseguição começou após o encarregado perceber que ela não lhe daria mais atenção. Por isso, o tribunal concluiu que a funcionária teria consentido com as interações anteriores, o que desqualificaria o assédio.
No TST, o relator do recurso de revista da balconista destacou que o suposto consentimento muitas vezes acontece por coação, falta de opção ou por colocar em risco o emprego. "O fato de ter tido consensualidade até certo ponto não quer dizer que esta prossiga no tempo. Pode ser que seja um não a partir dali", ressaltou.
O relator também avaliou que o TRT-GO contrariou uma das orientações do protocolo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao desconsiderar a palavra da funcionária. A orientação citada pelo relator considera "fazer parte do julgamento com perspectiva de gênero a alta valoração das declarações da mulher vítima de violência".
Na decisão, o relator concluiu que a funcionária comprovou que foi vítima de assédio sexual. Além disso, afirmou que a empresa, ao não responder adequadamente às denúncias recebidas, colaborou para a manutenção de um meio ambiente de trabalho desequilibrado, em descumprimento dos deveres previstos no art. 157 da CLT.