A complexidade do vinho piemontês é única, assim como seu terroir e, o que não muitos sabem, sua diversidade é grande. Conhecemos os Barolos, Brabarescos e Barbera, que são produzidos em regiões demarcadas no sul do Piemonte, ao sul da capital, Turim. Ocorre que afora as regiões próximas a Asti, Alessandria e Alba, se produz excelentes vinhos tintos e que são mais antigos que os produzidos no sul. Refiro-me a regiões próximas as cidades de Biella, Novara e Vercelli, ao sul do fantástico Lago de Maggiore, que banha a Cidade de Verbania. No norte do Piemonte a casta Nebbiolo é frequentemente misturado com Croatina, Bonarda ou Vespolina. Especialmente a Vespolina pode ser muito interessante como a de Pietro Cassina. As misturas produzidas como Coste della Sesia DOC também podem ser bastante interessantes. Verdade é que os vinhos do Piemonte do Norte têm uma grande história. Os primeiros vinhos engarrafados da Itália são desta área (Lessona, Gattinara e Ghemme), especialmente Gattinara era bem conhecido nos círculos internacionais no século XVI, 200 anos antes do primeiro Barolo ser engarrafado. É no norte do Piemonte que encontramos duas regiões vinícolas quase esquecidas que continuam a história e o fazem com talento e paixão, mas ainda não foram bem descobertas: Lessona e Bramaterra, talvez os vinhos mais esquecidos do Piemonte.
A primeira vez que tive contato com os vinhos do Norte Piemontês foi no saudoso Mássimo Ristorante, de São Paulo, que importava vinhos daquelas regiões para sua carta. São regiões demarcadas e cito Gattinara e Ghemme como as mais conhecidas; entretanto merecem menção Carema, Lessona e Bramaterra. Por Carema, na época romana, passava a Via delle Gallie, uma via consular romana construída por Augusto para ligar o vale do Pó à Gália e a fama e difusão dos vinhos de Carema deveu-se em parte à presença da zona de produção da Olivetti (máquinas de escrever), que frequentemente distribuía garrafas deste vinho como presentes a clientes e fornecedores. Ghemme é um vinho DOCG, cuja produção é permitida no município de mesmo nome e parcialmente no município de Romagnano Sesia, na Província de Novara, a partir de vinhas Nebbiolo (biótipo Spanna) e Vespolina (até um máximo de 15%) e/ou uvas eventualmente raras (Bonarda Novarese); teor alcoólico mínimo 12% e envelhecimento mínimo de três anos, dos quais pelo menos vinte meses em barricas de carvalho e pelo menos nove meses em garrafa. A primeira menção de Ghemme, como região vinícola, remonta a uma inscrição romana na lápide de Vibia Earina, propriedade de Vibio Crispo, senador romano na época de Tibério, encontrada perto de Ghemme, um achado arqueológico que comprova o cultivo na área de vinhas desde os tempos romanos. Estes Romanos possuíam nestas terras verdadeiras plantações modelo que cultivavam seguindo regras estabelecidas em todas as fases da produção, desde a plantação das vinhas à vinificação. A localidade, que conhecemos hoje, chamava-se “Pagus Agamium”, que dá origem ao nome Ghemme. Lessona e Brameterra têm uma história peculiar, assim como seus esplêndidos e longevos vinhos.
O escritor britânico Greg Hughes, ao falar das duas regiões afirma que “o que é tão impressionante nas vinhas aqui, em comparação com o resto do mundo vitivinícola, é como as vinhas brotam espontaneamente no coração de alguns dos lugares mais belos e históricos”. As vinícolas de Lessona e Bramaterra já faziam sucesso no século XIX e eram consideradas do mesmo nível de qualidade de Gattinara. O clima de Lessona e Bramaterra é moderado pelo ar fresco das montanhas alternado pelo ar quente das planícies. Os solos, porém, não poderiam ser mais diferentes em uma escala tão pequena. A verdade é que a região de Lessona (e também Bramaterra) foi o próspero centro da vinificação piemontesa centenas de anos atrás, até que o golpe duplo da depressão econômica do século XX e a pandemia de filoxera fecharam as portas de muitas grandes propriedades. Há vários produtores que acreditaram nesta região e os vinhos que de lá vêm, especialmente os tintos, são excepcionais. Difíceis de encontrar, exceto o Gattinara, mas cuja procura compensa até pela raiz histórica a que remetem. Salut!