Todo debate em torno da liberdade de expressão no Brasil carrega duas características extremamente perceptíveis: por um lado, o despreparo e a ingenuidade argumentativa dos defensores radicais de tal valor e, por outro, a tolice monumental daqueles que imaginam poder defender a regulação da liberdade de opinião pelo Estado e a liberdade individual ao mesmo tempo.
Todo debate em torno da liberdade de expressão no Brasil carrega duas características extremamente perceptíveis: por um lado, o despreparo e a ingenuidade argumentativa dos defensores radicais de tal valor e, por outro, a tolice monumental daqueles que imaginam poder defender a regulação da liberdade de opinião pelo Estado e a liberdade individual ao mesmo tempo. Mas, nesta semana, um texto que circulou pelas redes, publicado num dos maiores jornais do país, me chamou especialmente a atenção. Nele, um acadêmico afirmava que é possível manter a liberdade de expressão ao mesmo tempo que se retira da sociedade ‒ via controle estatal ‒ o discurso de ódio.
Como disse acima, geralmente encontramos nesse campo de debate sobre a liberdade de expressão o tolo e o ingênuo, mas poucas vezes encontramos uma opinião tão ingenuamente tola como essa. Como há meses venho dizendo nesta coluna, o principal problema com relação ao debate sobre a liberdade de expressão não é a sua importância fulcral, nem mesmo a realidade do dito “discurso de ódio” e seus efeitos negativos na sociedade, mas, sim, sobre quem define o que é esse discurso odioso e como será regulado tudo isso.
O que devemos ter em mente é apenas que o Estado e seus departamentos são antes um poder político gerido por pessoas com preferências ideológicas, tendências e sanha de poder. São eles que, ao final do dia, moldam o funcionamento dessa máquina, apesar da narrativa fofa que engajam pela manhã. O Estado com poder de gerir e censurar é um Leviatã que inevitavelmente vai ferir a livre opinião dos indivíduos segundo as tendências que seus engenheiros e operadores de momento definirem. O problema do debate em torno do discurso de ódio não é aceitar que ele exista nem reconhecer seus malefícios, mas entender que o remédio do controle externo para minorar seus efeitos, no fim, acaba por criar um problema infinitamente pior, isto é: uma sociedade emudecida, gerida por um Estado com poderes de moderador da liberdade individual que jamais retrocede em seus avanços autoritários.
O século XX foi um desfile de exemplos para aqueles que ainda duvidam do que o Estado pode fazer quando retira do indivíduo a sua liberdade de opinião e, consequentemente, de interferência na vida pública e política do país. Dar ao Estado o poder de gerenciar o que as pessoas podem dizer é o receituário das grandes sociedades autoritárias, e isso não é opinião, é fato histórico verificável. Desta forma, realimentar o velho argumento dos ditadores de outrora, de que o Estado iria regular o discurso público para o bem do povo, de que há certas narrativas tão nocivas que seria melhor que elas não tivessem sequer o direito de nascer, é de uma ingenuidade e de uma tolice tão acentuada que chega a me dar náuseas ter que redizer tudo isso. E não adianta afirmar que estamos falando de coisas distintas, que não é possível usar o fascismo ou o comunismo de outrora para abarcar a situação pela qual hoje passamos; dizer isso só aprofundaria ainda mais a ingenuidade tola daqueles que acreditam que o Estado irá se manter neutro e impoluto enquanto julga que tipo de narrativa é ou não odiosa segundo seus parâmetros ideológicos.
Depois de mais de 300 anos de debate sobre liberdade de expressão e sua influência na sociedade democrática, a única certeza realmente racional comprovada é que quaisquer que sejam os modelos de regulação do discurso público, eles cerceiam diretamente a liberdade e autonomia do indivíduo e ferem de morte a democracia. O Estado sadio é aquele que se mantém longe da produção de ideias e discurso dos indivíduos. E, após um breve e sincero olhar para o século passado, iremos nos convencer de que é infinitamente preferível que haja hordas de idiotas com discursos odiosos do que povos castrados e amedrontados por uma máquina política autoritária infreável.
Assim sendo, se for preciso defender a liberdade dos idiotas de proferirem seus discursos de ódio, ante a possibilidade do Estado de definir previamente o que os indivíduos podem dizer e pensar, então que os idiotas fiquem livres para dizer suas idiotices. Acreditem, caros leitores, a história nos mostra que é infinitamente mais fácil desacreditar os idiotas e seus discursos abjetos do que derrubar Estados ditatoriais com suas sanhas de controle da opinião pública. Parece-me muito mais sensato, ao final, temer o Estado e seu aparato de poder do que grupelhos extremistas com narrativas canalhas.