O Equador vai às urnas neste domingo, 20, para escolher o novo presidente em meio a um cenário incerto e com temor de reviver a instabilidade política que assolou o país entre 1997 e 2005.
O Equador vai às urnas neste domingo, 20, para escolher o novo presidente em meio a um cenário incerto e com temor de reviver a instabilidade política que assolou o país entre 1997 e 2005. Em maio, o atual chefe de Estado equatoriano, Guillermo Lasso, usou a morte cruzada e dissolveu a Assembleia após o início do processo para destituí-lo do cargo. A decisão desencadeou na antecipação das eleições. O cenário, que já era frágil e delicado no país, ficou ainda mais debilitado após o assassinato do candidato presidenciável Fernando Villavicencio, no começo de agosto, o que escancarou o enraizamento dos cartéis no país e a debilidade da segurança nacional. O atentado contra o jornalista e político foi seguido de outros dois casos: o ataque a tiros ao carro de uma candidata ao cargo de deputada na Assembleia Nacional e a execução, também a tiro, do dirigente político Pedro Briones. Ainda há um suposto ataque a Daniel Noboa, candidato a presidência. Ele alega ter sido alvo de um atentado na quinta-feira, 17, porém, o direitista conseguiu sair ileso. Apesar de mais recentes, os casos não são isolados. No mês passado, Agustín Intriago, prefeito da sexta maior cidade do Equador, Manta, foi assassinado. Em maio, o candidato eleito Walker Vera foi morto pouco antes de assumir o cargo na cidade de Muisne, província de Esmeraldas.
Alberto Pfeifer, coordenador geral do DIS, grupo de análise de estratégia internacional da USP, diz que o assassinato de Fernando Villavicencio gera um alerta generalizado quanto à penetração da violência oriunda da criminalidade organizada do narcotráfico, das gangues e cartéis que hoje estão sediados no Equador e presentes na vida civil da sociedade. “O que era um fenômeno de violência restrito na percepção popular ao escopo da bolha, ou seja, gangues brigando entre si, mortes nas penitenciárias e revolta, passou para domínio público”, diz, acrescentando que “embora a violência estivesse aumentando no país, a dura percepção vem agora com assassinato de Villavicencio”. O atentado deixou o cenário das eleições ainda mais incerto. Apesar de Luisa González, aliada do ex-presidente Rafael Correa, aparecer na frente nas pesquisas, a situação pode mudar até o dia das eleições, e a briga pela segunda posição, em um possível segundo turno, é imprevisível. Para Renata Álvares, professora de relações internacionais da ESPM, “o assassinato por si só, no ambiente eleitoral, já tem capacidade de mover peças e ser utilizado por todos os que estão no comício eleitoral, principalmente em um lugar que já tem certa conturbação, como são os países da América Latina”. Ela fala que a presença do narcotráfico no país se deu “por causa dos problemas do desenvolvimento do Estado”.
Luisa González, Otto Sonnenholzner, Jan Topic, Yaku Perez, Christian Zurita, candidatos à presidência do Equador "MARTIN BERNETTI, Rodrigo BUENDIA, MARCOS PIN / AFP
Regiane Nitsch Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp, diz que isso é muito aflorado pelo contexto de violência, desigualdade, pobreza e aumento do narcotráfico no país. “Se antes era muito limitado, muito relacionado a países como Colômbia, Peru e Bolívia, hoje em dia as redes internacionais e os cartéis não se localizam apenas nesses países”, observa. Essa situação faz com que aumente a instabilidade política e dê um certo temor de novos atentados no dia das eleições. “Estamos todos aqui muito apreensivos com as eleições no Equador”, conclui. Christopher Mendonça, cientista politico e professor de relações internacional do Ibmec Belo Horizonte, complementa dizendo que o assassinato de Villavicencio acaba demonstrando a todos os candidatos que o pleito eleitoral está bastante violento e polarizado. “O assassinato do candidato presidenciável acabou demonstrando os níveis de tensão que a gente está observando agora nas eleições, algo que não tinha sido visto antes. O Equador é um país que, nos últimos anos, aumentou muito os seus índices de violência, mas, especialmente agora, nesse momento de eleições, a gente está vendo, como nunca, uma convulsão social que é importante ser considerada”, diz.
O especialista pontua que o Equador tem as suas fronteiras bastante prejudicadas diante de uma série de criminosos internacionais que ocupam aquele território. “Isso, inclusive, é um dos grandes problemas debatidos ao longo da campanha eleitoral. O próximo presidente vai ter um desafio muito grande em manter a segurança do país, exatamente porque, neste momento, a explicação é básica. Para que a gente entenda um pouquinho do Equador, é exatamente essa concentração de grupos criminosos que saem dos seus países e se instalam ali naquele país.” Os cartéis já são um problema na Colômbia desde os anos 80 e 90. O crescimento da desigualdade e a pobreza no Equador e foi intensificado pela pandemia de Covid-19 — o país ainda não se recuperou, assim como muitos outros latinos-americanos — e acabou criando um cenário propício à violência, conflitos, aumento do narcotráfico e instabilidade política. Bressan diz que o problema não poderá ser solucionado se não houver “políticas de contenção com a globalização, com as facilidades, inclusive, de internacionalização, políticas fortes e sólidas e consistentes, que sejam de segurança e políticas econômicas”. Como a desigualdade e a pobreza abrem muito espaço para a informalidade, o trabalho no tráfico de drogas acaba virando uma fonte de renda para determinadas pessoas.
David Morales, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC, fala que o assassinato do Fernando Villavicencio gerou um terremoto político no Equador e mostrou o poder do narcotráfico na região. “Há mudanças se vamos ver o cenário antes, o cenário depois. Temos aqui o novo discurso mais rígido, um discurso de mão dura e isso vai legitimar outras candidaturas que antes eram um pouco mais discretas. Por exemplo, a do Jean Topic, que é o [presidente salvadorenho] Nayib Bukele do Equador.” Ele também ressalta que essa situação mostra um fracasso institucional. “As instituições ali não demonstraram solidez, porque o assassinato de Villavicencio mostra, claramente, que o crime está controlando grande parte, grande porção da institucionalidade do Equador”, destaca o especialista. Segundo ele, isso não estaria acontecendo se Lasso não tivesse sito forçado a adiantar as eleições por causa dos escândalos de corrupção.
A votação deste domingo, com possibilidade de segundo turno em outubro, definirá um governo tampão, e não para um novo governo. “É apenas para finalizar o governo de Lasso”, lembra o professor. O novo governante terá pouco menos de dois anos para comandar o país. Diante deste cenário, Morales não vê muita expectativa com relação ao próximo presidente. “Será somente um anos e seis meses de governo. O que você vai fazer em uma situação como essa?”, questiona, destacando o aumento da violência e fragilidade institucional. “O que o país precisa neste momento é de um fortalecimento institucional, depois uma nova política de segurança nacional e entrar em um acordo bilateral com Colômbia, Peru, México e Estados Unidos”.
Apoiadores do candidato presidencial assassinado Fernando Villavicencio participam de uma manifestação para exigir justiça por sua morte"Galo PAGUAY / AFP
Renata Alvarés, professora da ESPM, salienta que os cartéis surgiram no Equador de forma muito silenciosa. “Eles estavam com muito problema na Colômbia e, como qualquer empresa transnacional, porque é assim que é um cartel, vai buscando fazer redes em lugares em que eles possam tranquilamente exercer a sua atividade. E eles encontraram instituições sólidas no Equador e acabaram tomando conta”, diz. Alberto Pfeifer, coordenador geral do DIS, coloca data. Ele diz que os carteis estrangeiros se estabeleceram a partir de 2010, com o sucesso do plano Colômbia. “Os cartéis passaram a busca outras rotas para o envio de da droga produzida, então buscam o caminho do Pacífico, já que a via do Atlântico e do Caribe, seja marítima, terrestre ou aérea, estão sufocadas com a boa medida do plano Colômbia”, fala. “Então, essas gangues e cartéis situados na costa do Pacífico buscam alternativa e encontram no Equador um local de menor atenção das autoridades intersecionais e desprepara e debilidade das nacionais”, conclui.
Pfeifer ressalta outro ponto de atenção. “O país ficou interessante para os traficantes, embora tenham que aumentar a rota logística, porque o Equador não produz a droga, não tem tradição na produção, a coca não faz parte da cultura popular.” Contudo, com o aumento do custo do uso das plantações e rota de tráfico, “o Equador apresenta com menor custo relativo porque não há tradição de enfrentamento da droga e, portanto, a pressão repressiva é menor”. Morales cita outro ponto de atração: o fato de o país ter dolarizado a moeda. “Nada mais fácil do que os próprios cartéis, tanto do México quanto da Colômbia, vendem ao Equador uma fonte fácil, digamos, para poder lavar dinheiro e obter os recursos e o pagamento dos circuitos e das encomendas e do tráfico de drogas de forma muito mais rápida pela dolarização da moeda.” Então, isso se tornou um problema, porque, “ao mesmo tempo, em que se dolarizam a moeda, não houve um aumento no orçamento da segurança do Equador”, fala o professor, acrescentando que houve sedução no orçamento da segurança, o que “permitiu que se abrissem fronteiras, se abrissem brechas dentro da institucionalidade equatoriana”.
Na sua opinião, esse cenário tende a se fazer presente pelos próximo anos, talvez uma década. “Vamos ver isso evoluir, desde que não mude a lógica do combate internacional às drogas, depois os Estados Unidos vão fazer um plano Equador, como feito na Colômbia, e o problema se joga para outro país”. O especialista também defende que deveria ter uma mudança de estratégia internacional no combate às drogas. “Estamos já há mais de 50 anos com a mesma estratégia, sob a lógica dos Estados Unidos, de perseguir, ou digamos, de criminalizar ou securitizar a oferta da droga e não a demanda”, diz, acrescentando que isso gera um desequilíbrio. Para explicar seu pensamento o professor usa uma metáfora da bexiga de aniversário. “Você pega a bexiga e aperta um pouquinho o ar, e o ar se desloca para um lado, mas continua ali dentro da bexiga”. A analogia tem associação com a política antinarcótica dos Estados Unidos, que vem desde a década de 70.
“Na década de 70, apertou a Bolívia, então sai toda essa produção da pasta de coca e tudo isso e se desloca e chega no Peru”, explica. O problema é que, após apertar o Peru na década de 80, chegou à Colômbia, um país mais tropical, com muito mais facilidade de plantação das drogas. Quando a situação fica delicada entre a década de 80 e 2000, o problema vai para o México. Diante dessa situação, foram estabelecidos os acordos comerciais e políticos da segunda década do século XXI entre Estados Unidos e o México. “E aí, o que acontece? O fluxo volta para os países andinos, por isso que Equador hoje é o país, digamos, epicentro da violência nos países andinos, que antes não era. Até 10, 15 anos atrás, o Equador era uma ilha de paz.”