Fernando Haddad estará bem longe do Brasil quando os deputados aprovarem nesta semana o arcabouço fiscal, considerado fundamental para a previsibilidade das contas públicas nos próximos anos.
Fernando Haddad estará bem longe do Brasil quando os deputados aprovarem nesta semana o arcabouço fiscal, considerado fundamental para a previsibilidade das contas públicas nos próximos anos. Trata-se de mais um gesto de força política de Arthur Lira, que deseja reforçar a ideia de que é a Câmara, e não o Palácio do Planalto, a responsável por entregar ao país as principais medidas de impacto econômico e social recentes. No tuíte em que rebateu o ministro da Fazenda, após críticas à “concentração de poder”, o presidente da Câmara escreveu que a “PEC da Transição, a histórica aprovação da Reforma Tributária e a votação do Arcabouço Fiscal, votadas para e neste Governo, são legados deixados por uma Câmara dos Deputados comprometida com o país“.
A narrativa de Lira relativiza a paternidade do governo Lula sobre tais propostas, que, de fato, foram bastante modificadas para serem aprovadas, o que impediu o Executivo de impor uma agenda mais à esquerda. A própria regra fiscal a ser votada é hoje bem diferente daquela proposta originalmente por Haddad, que objetivava a ampliação irresponsável dos gastos públicos sem qualquer gatilho de contenção. Deve-se também à Câmara, cada vez mais poderosa, a aprovação do Marco do Saneamento e das reformas previdenciária e trabalhista, que ajudaram o Brasil a melhorar sua nota de crédito no exterior. A elas se soma a reforma tributária, cujos efeitos serão sentidos a médio prazo.
O orçamento, naturalmente, não pode ser secreto. Precisa de execução transparente e maior controle dos órgãos de fiscalização, a fim de reduzir as chances de desvios. A própria distribuição de emendas obrigatórias ajuda a reduzir o espaço da corrupção, ao eliminar uma das etapas de barganha. Mas é um modelo em desenvolvimento, a ser aperfeiçoado. Seu mérito está na forma como privilegia a relação com estados e municípios, revitalizando o tão abalado pacto federativo e a relação direta do político com seu eleitor. É mais democrático e fruto do amadurecimento do próprio sistema, com a ocupação de espaço de poder pelo Legislativo após sequência de crises envolvendo o Executivo, que parece fonte inesgotável de instabilidade institucional — vide os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff, e as prisões de Lula e Michel Temer.
O atual presidente e seu ministro da Fazenda se ressentem do poder da Câmara, mas também ajudaram a colapsar as expectativas atuais sobre sua própria gestão, ao endereçar discursos e atos a um projeto pessoal revanchista, distante da ‘frente ampla pela democracia’ tão prometida em campanha. A meu ver, o caminho ‘parlamentarista’ trilhado pela República não tem volta, cabendo ao próprio Lira e sucessores a consolidação dessa nova estrutura, que, para não ruir, deve se apoiar num projeto mais coletivo, que respeite o debate legislativo e contemple visões de variados setores da sociedade, sem atropelos ou manipulações regimentais, como ocorreu no caso do PL das Fake News.