A Índia, país que passou a ser o mais populoso do mundo e que recentemente se juntou a China, Estados Unidos e Rússia como aqueles que conseguiram chegar à Lua, tem gerado um desconforto nos chineses e aumentado a tensão há tempos abalada. Na semana passada, por exemplo, a publicação do novo mapa da China irritou os indianos, que acusaram Pequim de roubar parte de seu território – Malásia e Filipinas também ficaram desconfortáveis com o posicionamento chinês. Essa publicação aconteceu entre duas datas importantes, a reunião do Brics, no final de agosto, e dias antes da Cúpula do G20, que será realizada em Nova Delhi, na Índia, e da qual o presidente da China, Xi Jinping, já anunciou que não vai participar. Esta é a primeira vez que o líder se ausenta do evento desde que chegou ao poder. Mesmo em 2021, em plena pandemia, ele participou. A decisão, segundo especialistas ouvidos pela Jovem Pan, mostra que estamos nos afastando da globalização e integração que tinha começado há séculos.
Diante desses últimos acontecimentos, fica o questionamento: A índia é uma ameça para a China? A respostá é: depende do ponto de vista. “Os chineses veem, de alguma forma, os indianos como ameaça, no sentido deles terem muita proximidade também com o Ocidente”, fala Pedro Brites, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Ele lembra que a Índia está presente no Quad (Diálogo Quadrilateral sobre Segurança), que reúne também os Estados Unidos, Austrália e o Japão, e que tem foco em uma questão militar e, de certa forma, de contenção das iniciativas chinesas – o que faz com que a China veja a Índia como uma ameaça. Para o especialista, devemos continuar vendo uma tendência de aumento das tensões. Brites destaca, no entanto, que há muitas diferenças entre os países apesar dessa aliança. “A China ainda tem uma economia muito mais sólida, muito mais estruturada do que a Índia e também, em termos de capacidades militares, já tem um processo de modernização das suas forças militares mais avançado que a Índia”, fala. O professor também ressalta que essa ascensão indiana que temos acompanhado vem ocorrendo desde a década de 1980 e início dos anos de 1990.
Contudo, é a partir dos anos 2000 que a Índia consegue efetivamente consolidar o processo de fortalecimento da sua indústria, focando especialmente em setores estratégicos como a tecnologia. “É nesse momento em que a Índia consegue expandir seus interesses regionais e aparecer para o mundo, por assim dizer, como uma potência regional efetiva. É um processo de longo prazo que tem 40 anos de reestruturação doméstica, de readequação das suas forças produtivas, ainda se livrando das heranças coloniais”, fala Brites. “Ela não necessariamente representaria uma ameaça para a China, mas a maneira como tem se portado, se aproximando dos EUA e dos países do Ocidente, frente a esse processo de contenção da China liderado pelos Estados Unidos, acho que nesse sentido ela gera uma ameaça para os interesses chineses”, diz o especialista. Maurício Dias, metre em relações internacionais e pesquisador associado da Coordenadoria de Estudos da Ásia da Universidade Federal de Pernambuco (CEÁSIA-UFPE), complementa dizendo que o destaque que os indianos têm conquistado faz com que os chineses “percam espaço de influência e, tendo desafios geopolíticos e geoeconômicos indesejáveis, interferen na ascensão chinesa, em especial caso ela queira aprofundar ainda mais a sua inserção no continente asiático”.
Para Alexandre Uehara, professor de relações internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e especialista em Ásia, apesar desse crescimento da Índia que temos visto, ela ainda não é uma ameça aos chineses. Ele aponta que há um conflito de interesses, porque a relação entre os dois países é “mais do que um ganha e o outro perde”. “Existe uma interdependência muito grande também. A Índia tem a China como um parceiro comercial importante em termos de fornecedor”, fala. Quando se fala em questão de status internacional, o ângulo é diferente. “Se você pensar nas empresas grandes, onde seria um país de destino para investimentos, talvez a Índia apareça com maior interesse, dado que é um país mais próximo do Ocidente. Nesse sentido, é uma ameaça em termos de atrair mais investimentos e mais interesses econômicos internacionais.”
Dias segue o pensamento de Uehara e acrescenta que a aproximação da Índia com os Estados Unidos permite uma maior capacidade de influência americana no território asiático e em um Estado próximo geograficamente à China. “Dessa forma, também em um caráter geopolítico, além das disputas territoriais, conforme a Índia aprofunda suas estratégias securitárias e econômicas com a potência estadunidense, maior será, consequentemente, a desconfiança sino-indiana. A própria falta de confiança entre a China e a Índia ocasiona um afastamento bilateral e uma percepção de ameaça compartilhada entre ambas as nações.” Apesar desse atrito, Uehara não vê interesse de nenhum dos dois lados em conflitos, e sim um problema político que merece atenção. “As declarações políticas algumas vezes são mais ácidas do que deveriam ser ou poderiam ser num outro momento de cooperação em que as economias crescem mais. A China está crescendo pouco e isso pode fazer com que as declarações sejam mais ácidas e elevem as tensões. Mas não vejo que isso deva levar a um conflito neste momento.”
Brites aponta que o erro na atualização do mapa pela China foi a forma de divulgação, mas destaca que o timing foi um fator a se levar em consideração. “A China lança isso justamente após alguns momentos de conversação com a Índia. Na cúpula dos Brics, teve reuniões bilaterais entre o Narendra Modi – primeiro-ministro da Índia – e o Xi Jinping, onde eles conseguiram conversar sobre algumas questões e saíram comunicados dizendo que tinham trocado ideias sobre a região, tinham de certa forma acordado maneiras de lidar com isso, e na sequência a China lança esse mapa antes da reunião do G20″. Dias complementa que, “no âmbito diplomático, esse novo mapa se mostra como mais um obstáculo na normalização das relações bilaterais sino-indianas e que, a depender das reações nacionalistas em ambas as nações, pode dificultar ainda mais a resolução das questões fronteiriças e ocasionar um acirramento de disputas territoriais”.
Qual a origem das tensões entre China e Índia?
Dias pontua que, para entender as desavenças entre China e Índia, é preciso voltar ao século XX, quando, na recém-independência da Índia Britânica, em 1947, houve a divisão desse território entre novos países, que seriam Índia e Paquistão. Um contexto de disputas fronteiriças foi sendo construído tanto entre as nações indiana e paquistanesa como também com a China. Dessa forma, a relação sino-indiana se tornou cada vez mais sensível conforme a China disputava fronteiras na região do Himalaia, região onde a Índia tem territórios. Com isso, não demorou muito tempo para que a guerra sino-indiana de 1962 eclodisse. Saindo do quadro histórico para o atual, tem-se o desenvolvimento de infraestruturas e das capacidades militares na região e, dessa forma, ao longo dos cerca de 3.400 km² que separam as nações, esses avanços criaram uma perspectiva de insegurança e de necessidade de robustecimento militar e, consequentemente, maior monitoramento para impedir que fronteiras sejam ultrapassadas.
Uehara lembra que tanto a China quanto a Índia começaram a ganhar maior visibilidade mundial nas últimas décadas. “Índia e a China começaram a demonstrar que são mais do que países em desenvolvimento na medida em que, em termos econômicos, de fato elas estão numa posição bastante de destaque”, fala, dando destaque para Índia neste momento. “Ela começou a investir em outras áreas e tivemos investimentos japoneses de outros países que aproveitaram a mão de obra indiana e isso fez com que os investimentos também contribuíssem para o desenvolvimento do país.” Por outro lado, a China passou a ter uma certa desconfiança, principalmente depois da Covid, dos problemas da cadeia de suprimento.
Ausência de Xi Jinping na Cúpula do G20
Nesta semana, uma autoridade europeia que pediu para não ser identificada informou que Xi Jinping não vai à Cúpula do G20, que acontece neste final de semana na Índia. Com a decisão, o chinês, que participou de todas as edições desde que assumiu o poder, se junta a Vladimir Putin, que também não comparecerá. Para os especialistas ouvidos pela Jovem Pan, a ausência de Xi Jinping, acende uma alerta sobre a questão da globalização e integração que se tinha até o começo desse século. “Há uns 10 anos atrás, um pouquinho mais, ainda se falava muito de integração, que as fronteiras iriam cair e que o mundo convergiria a uma posição mais comum de interesses. E infelizmente, nos últimos anos, o que a gente percebe é que não é bem isso”, fala Alexandre Uehara. “Essa ausência de Xi Jinping mostra essa nova realidade do mundo que a gente está vivendo. Então, é um ponto importante para a gente olhar, porque essas posições de interesses não sendo tão convergentes como eram no passado, geram tensões ao ponto de haver ausências em reuniões como essa do G20, que é um sinal de alerta”, acrescenta o especialista. “Esse afastamento que a gente tem visto de países importantes como Rússia, China, Índia e Estados Unidos é um ponto de atenção porque são as principais economias ou potências militares que têm posições divergentes. Então esse é um ponto de preocupação.”
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