Helio de La Peña ficou conhecido em todo o país por ser um dos criadores do “Casseta & Planeta”. O programa comandado por um grupo de humor ficou no ar na Rede Globo, de 1992 a 2010, liderando a audiência do horário nobre e, na época, foi uma atração visionária, já que tratava de temas polêmicos, como política, de maneira inusitada. Em seu novo show de stand up solo, intitulado “Preto de Neve”, Helio fala das adversidades que teve que enfrentar ao navegar nos ambientes elitizados, sendo frequentemente o único negro do salão. Daí se autodenomina uma espécie de “Mogli, o menino preto”. O artista ainda tira onda por ser o único proprietário negro de um condomínio exclusivo no bairro nobre do Leblon, assim como brinca com o fato de ser o raro caso de um comediante preto ator e autor de um programa de sucesso por 18 anos na televisão. Aos 63 anos, em meio a uma agenda lotada de compromissos, ele atendeu a coluna com exclusividade para um bate-papo super atual.
Conta uma exclusiva sobre esse seu novo show para a gente?
Quando formatei meu show solo “Preto de Neve”, pensei que podia contar minha experiência desastrosa como esquiador. Deu certo. Nessas férias, fiz uma outra incursão em ambientes gelados. Viajei com a família para a Antártica. O que era apenas uma viagem de férias acabou se tornando um divertido tema para um novo set. Falo dos bichos, de como acampei no gelo sem barraca e como foi mergulhar na água a 3°C. Entrei numa fria só para ter mais o que contar no show.
O que mudou no humor da época do “Casseta” para hoje? Porque estão resgatando trechos do programa que são super atuais e trazem críticas à política. E isso é maravilhoso, certo?
A gente ficou nacionalmente conhecido numa época em que a televisão ditava as regras. A forma de consumir humor em casa era toda a família reunida na sala em frente à TV. Aprendemos como reter a atenção do avô à criança, de norte a sul, do pobre e do rico. Hoje o entretenimento é nichado. Cada um no seu celular. O artista pode fazer grande sucesso dirigindo-se a uma única bolha formada por um público mais ou menos homogêneo. Acho legal que, de vez em quando, antigos fãs resgatam quadros que ainda dialogam com fatos atuais. Um exemplo disso é a paródia Chocolate Cumprimenta, que sempre entra em alta quando a novela “Chocolate Com Pimenta” é reprisada. Muitos jovens viam o quadro ou memes derivados dali e sequer sabiam qual a referência original.
Você se considera visionário por ter feito algo no “Casseta” que representa o que é a internet hoje, mas tantos anos atrás?
A gente rompeu as barreiras da época. Surgimos nos anos 80 como jornalzinho, depois revista (a “Casseta” foi criada em 1978, o “Planeta Diário” é de 1984). Estávamos inaugurando o humor na redemocratização do país, que viveu numa ditadura por 20 anos. Outro contexto. Acho que a internet se desenvolveu num momento bem diferente, com a democracia consolidada, a sociedade menos interessada em romper limites políticos autoritários, mais querendo afirmar sua voz, mais querendo expor sua opinião sobre tudo, principalmente sobre o que não entende. Antes especialistas escreviam colunas nos jornais sobre os assuntos a que se dedicavam estudar. Hoje, qualquer um entende de vacina, alta de juros, energia nuclear, até física quântica, apesar de ter sido reprovado em matemática no ensino médio.
Falta espaço para o humor na TV? Qual sua opinião sobre isso e ao que assiste na televisão hoje?
O humor, como eu disse, migrou. Saiu da TV e foi pro celular. Está no YouTube, no Tik Tok, nos memes que recebemos no zap. A TV restringiu o espaço, talvez por ser um meio para falar com todos e não com parcelas específicas. Por isso se dedica aos noticiários, eventos esportivos e realities. Mesmo a novela já ensaia sua migração para o streaming. Ainda assisto a jornalísticos e futebol. Se bem que até isso o YouTube já está mordendo, vide as divertidas transmissões da Cazé TV.
Há limite para o humor? Você tem acompanhado o cancelamento de alguns colegas, o que acha sobre isso?
O humor não tem limite, quem tem limite é o humorista e o público que, quando não gosta, deixa de consumir. Existe uma tendência autoritária de se achar que aquilo que eu não gosto não deve existir. Não acho que um comediante deva ir preso por conta de uma piada infeliz. Isso é perigoso. Quem não gosta não deve consumir ou propagar aquela piada. Por outro lado, o comediante que produz um conteúdo provocativo não deveria se incomodar quando alguém reage à sua provocação, faz parte do jogo.
Como é estar de volta aos palcos e ser reconhecido como um ícone do humor. E o que esse show traz de mais especial?
É bacana rodar o país e receber o carinho do público, ouvir as pessoas dizendo que cresceram vendo nosso programa. É bacana pais levando filhos para ver um cara da geração deles e que eles ainda curtem, como também ver filhos levando seus pais a um comedy club pela primeira vez porque eu estou me apresentando. Meu show não tem pré-requisito, conversa com todo mundo. Você não precisa ter assistido ao “Casseta & Planeta” para rir. E quem acompanhou o programa saboreia mais certas histórias que eu conto.
Você é um humorista negro que faz piada com sua própria vida. Como é isso? Só assim dá para sobreviver de humor no país?
O stand up é um gênero que tem um impacto maior quando o público sente que tem sinceridade no que o comediante tá dizendo. É piada, é mentira, mas tem um fundo de real, de autobiográfico. É disso que o público vai atrás e é isso que me esforço para entregar. Ver o povo saindo com sorriso na cara depois de ter feito um programa divertido me deixa realizado.