Em 1998, aos 24 anos, Monica Lewinsky viu sua vida mudar drasticamente. De estagiária na Casa Branca, tornou-se o centro de um dos maiores escândalos políticos do século XX, após a revelação de sua relação com o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.
O caso não apenas dominou as manchetes internacionais, mas também destruiu sua privacidade e marcou sua trajetória de forma permanente. “Um dia eu era uma cidadã comum; no seguinte, minhas conversas mais pessoais estavam disponíveis para o mundo inteiro”, relembrou em entrevista à revista Rolling Stone.
( A&E)
Lewinsky foi alvo de piadas cruéis e perdeu qualquer possibilidade de uma carreira convencional. A relação com Clinton durou 18 meses, mas seus efeitos se estenderam por décadas. “Não havia como eu voltar a ser uma pessoa privada”, disse. Tentou explorar sua notoriedade com entrevistas, um livro e aparições na TV, mas nenhuma dessas iniciativas trouxe a estabilidade que buscava. “Minha carreira normal foi destruída antes mesmo de começar”, afirmou.
O presidente Clinton cumprimenta Monica Lewinsky (E) em um evento de arrecadação de fundos em Washington em outubro de 1996. (Reuters)
Buscando um novo caminho
Diante da impossibilidade de seguir uma vida profissional nos Estados Unidos, Lewinsky decidiu se afastar do olhar público e mudou-se para a Inglaterra, onde concluiu um mestrado em Psicologia Social na London School of Economics. “Pensei que a universidade me ajudaria a construir uma nova identidade, mas não funcionou”, admitiu.
Após o escândalo, Lewinsky estudou uma pós-graduação em psicologia social na Inglaterra (AFP).
Ao retornar aos EUA, enfrentou um mercado de trabalho fechado para ela. “Havia empresas que diziam: ‘Adoraríamos contratá-la, mas você pode conseguir uma carta de indenização para nos proteger?”. A candidatura de Hillary Clinton à presidência em 2008 reacendeu o escândalo, dificultando ainda mais sua reinserção na sociedade.
Recomeço e resiliência
Em 2010, um episódio chocante mudou sua perspectiva: o suicídio de Tyler Clementi, um jovem vítima de cyberbullying. “Percebi que isso estava acontecendo com outras pessoas, com jovens que não eram figuras públicas”, disse. “Talvez, mesmo que eu não estivesse prosperando, ao menos eu tinha sobrevivido. E isso era algo”.
Quatro anos depois, Lewinsky quebrou um silêncio de quase uma década ao publicar o ensaio Vergonha e Sobrevivência na revista Vanity Fair. O texto, no qual narrava sua experiência de humilhação pública, marcou uma nova fase em sua vida. “O mundo havia mudado. Uma nova geração não havia vivido a lavagem cerebral midiática dos anos 90”, afirmou.
A partir dali, passou a atuar ativamente contra o assédio online. Sua palestra no TED em 2015 viralizou e reforçou sua imagem como defensora das vítimas de cyberbullying. Produziu o documentário 15 Minutes of Shame e se tornou uma voz respeitada na luta contra abusos na internet.
Relacionamento com a imprensa
Apesar da nova fase, Lewinsky admite que ainda lida com os traumas do passado. “Ainda tenho transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) por muitas coisas que aconteceram em 1998, e uma delas é minha experiência com a imprensa”, revelou. Embora tenha aprendido a aceitar sua história, evita jornalistas que escreveram sobre ela na época. “Talvez um dia eu sente para falar com um deles em meu podcast. Nunca diga nunca”, disse, sugerindo a possibilidade de confrontar aqueles que ajudaram a moldar sua imagem pública nos anos 90.
Em 1998, quando estourou seu escândalo com Bill Clinton (então presidente dos Estados Unidos), Monica tinha 24 anos. Só romperia o silêncio em 2014, com um ensaio na Vanity Fair intitulado “Vergonha e Sobrevivência”.
“Reclaiming”: seu novo podcast
Agora, Lewinsky se prepara para um novo desafio: seu próprio podcast, Reclaiming with Monica Lewinsky. O programa tem como objetivo dar voz a pessoas que, assim como ela, precisaram redefinir suas identidades após experiências difíceis. “Cada convidado receberá um cristal no final do episódio”, contou, destacando o significado desses objetos em seu processo de cura.
A ideia de “reclamar” sua própria história já a acompanhava há anos. “Tinha isso anotado no meu celular desde que Michelle Obama lançou Becoming. Pensei: ‘Meu livro se chamará Reclaiming‘”, revelou. Com o tempo, a ideia se transformou em um espaço para que outras pessoas também compartilhassem suas histórias.
Entre os primeiros convidados do podcast estão a atriz Molly Ringwald, a jornalista Kara Swisher, a escritora Anne Lamott e o ator Alan Cumming. “Me interessa o caos de como passamos de um ponto a outro em nossas vidas”, explicou.
Apesar do entusiasmo, Lewinsky admite que o projeto lhe causa ansiedade. “Tenho medo de fracassar. Meu terapeuta diz que os ecos do trauma demoram a desaparecer”, confessou. “Ainda tenho medo de perder tudo de novo”.
Reflexões sobre #MeToo e abuso de poder
Desde o início do movimento #MeToo, Lewinsky tem refletido sobre sua relação com Clinton sob uma nova perspectiva. “Sempre soube que não foi agressão sexual. Eu queria estar lá. Mas eu realmente entendia o que isso significava? Não”, ponderou.
Com o tempo, passou a ver sua história dentro do contexto de abuso de poder. “Agora tenho 51 anos. A ideia de estar em um relacionamento com alguém de 24 me parece absurda em muitos níveis”, disse.
Novos projetos e vida pessoal
Além do podcast, Lewinsky está envolvida na produção de uma série sobre Amanda Knox, a jovem americana erroneamente condenada por um crime na Itália. “Amanda é incrivelmente inteligente e criativa. Tem sido uma grande parceira nesse projeto”, destacou.
Hoje, Lewinsky afirma estar em um momento de aceitação. “Tinha medo de fazer 50 anos porque aos 40 me senti horrível, pensando em tudo o que não conquistei. Mas meu 49 foi incrível. Foi um ano de aceitação”, revelou.
No campo amoroso, segue aberta a novas experiências, mas evita aplicativos de namoro. “Sou muito ingênuo. Com certeza me enganariam”, brincou. “Prefiro conhecer pessoas por indicação de amigos”.
Depois de mais de duas décadas lutando contra a imagem que o mundo construiu sobre ela, Monica Lewinsky sente que finalmente está no controle. “Cada coisa positiva que acontece apaga algo negativo do passado”, refletiu. “Não poderia imaginar minha vida assim em 1999. Nem mesmo em 2009. Mas aqui estou, e sou grata por isso”.
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